sexta-feira, 9 de maio de 2014

Steinunn Sigurdardóttir



POEMAS DE STEINUNN SIGURDARDÓTTIR



FLORA DO CÉU E DA TERRA

I
Transpor muitas vezes
os caminhos mais frequentados
cansar-se lentamente sob as árvores
ao longo das suas raízes

(As fontes fora do campo)

Ninguém cai
dão-te sempre a mão.
Etecetera.

II
Madrugada. Para o amanhecer
encaminhavas-te só
para a fábrica de estrelas.

Eu estarei atenta, como um casaco verde
moendo-te estrelas numa grande máquina.

Faremos um esforço
levantaremos o telhado da casa
e deixá-las-emos livres.

Verksummerki, 1979


NO MEIO DA MONTANHA MÁGICA

Os doentes da montanha
não podem descer
e muito menos subir.
Morrer morrendo
tal como os vivos. E ele leva-lhes flores.

No baile de máscaras, eles. Tu e eu.
Nunca antes.
Está em francês. Remendam o sonho.
A radiografia da sua prometida
guarda-a junto a si
horizontal no banco.

Tudo é confuso. Transtornado
Na Montanha Mágica
e continuará a piorar.

Verksummerki, 1979




VESTÍGIOS

Os que chegam ao vazio
vêem terras cor de fungo
árvores queimadas
água estagnada

pássaros no ar
degelo pela metade.

Ninguém sabe o que se passou
só o que se nota.

Verksummerki, 1979



DUAS MIL PEDRAS

Apagadas as paisagens juvenis.

Sobrevoadas as nossas rochas
perante o profundo abismo
sob nenhuma casa.

Estivemos lá em maio. Maio.

Agora a rocha são duas mil pedras
dispersas por colinas desconhecidas

nosso cerro, desolada ilha deserta.

Lembro que me beijaste suave suavemente.

Guardião do corpo.

Defensor da mente.

Não me chega uma vida para chorar-te como tu mereces.

Ninguém te substituiu
ninguém estava comigo
lá onde os sonhos circulam.

Amor de minha alma jovem

não chega uma vida…

Oh se pudesse renascer
dó para chorar-te.

Kartöfluprinsessan, 1987



CANÇÃO MATUTINA PARA TODO O ANO

A manhã promete, sem que saibamos nada do que trará o dia.

É humano contentarmo-nos perante a esfera vermelha
que assoma nos cumes. Embotado de sonho
e ao mesmo tempo ardendo de interesse.

É algo muito nosso perguntarmo-nos pela marcha
dessas massas de nuvens na sua viagem caótica
à largura e ao comprimento
dos pontos cardeais.

Aonde vão? Pergunta inútil.
Nós seguimo-las.

Kartöfluprinsessan, 1987



RECORDAÇÕES INVERNAIS

I
Hoje cabe lamentar-me do que esqueci:
as nossas mãos unidas, o céu avermelhado.

Hoje cabe recordar, foi aqui,
onde o mar começa, nas dunas, em março.

Não tínhamos casa aonde ir. Nem um tecto sobre as lágrimas.
Apenas nuvens sobre os beijos.

Agora duas crianças correm sobre patins, com um cão,
sobre um tanque gelado que aqui não estava.

Hoje cabe recordar, foi aqui
onde o mar começa, aqui é.


II
Já nada resta
excepto a recordação de uns lábios
sorridentes, risonhos, antes das tuas histórias
(e uns lábios tranquilos, antes do beijo).

Vejo o mesmo sorriso, mas já não há histórias.

A tua boca amada é agora um quadro
os teus lábios um objecto de arte
não tocar, não tocar.

Já nada resta
excepto a recordação de umas mãos
mãos na treva de um quarto de uma casa.

Já não te encontro mais numa casa
uma casa que foi demolida.

Apenas restam ruínas, informes, com arestas
e a recordação fugaz da tua mão na minha mão.

Já nada resta
excepto a recordação
daquele passeio de dezembro pelo caminho gelado.

Vento de terra dento alvoroçada
o cabelo e o rumor do mar enchia os ouvidos

a chuvarada do céu queimava as faces
presságio de umas lágrimas que caíram depois.

Kúaskítur og nordurljós, 1991



NOTÍCIAS DESTE INVERNO

As notícias deste inverno são:
que sopra a mesma nortada do teu tempo
que ainda tece a névoa mantos sobre a triste imagem
desta terra

que os homens e os animais se arrastam aterrorizados
pelo gelo

e que a minha ausência, por fim, se irá notar.

Kúaskítur og nordurljós, 1991


AUTO-RETRATO NUMA EXPOSIÇÃO

A minha alma era ontem um anão no baile
que esfregava contente os joelhos
e sacava as raparigas para dançar.

Todas se escandalizaram e rechaçaram aquela alma disforme.

Teve que contentar-se em refugiar-se no bar
e dançou só depois das duas
se a isso se pode chamar baile.

Kúaskítur og nordurljós, 1991


LUGARES HISTÓRICOS

Rumo ao sul encontramos um  pedaço do arco-íris
lua cheia saindo
de um monte triangular.

Exploramos a paisagem
à luz do escurecer.

Tínhamos ovelhas
e pássaros desertos e rios.

Tínhamos uma antiga história
que nos marcava o rumo
e encontramos um caminho novo.

E chegou a manhã ao nosso encontro, sol na parede
do cemitério
dia com céu azul na lava do páramo.

Tudo isso não te bastava. Querias uma aurora boreal
com as cores do arco-íris, querias uma montanha
redonda e uma espiral por sol.

Mas eu queria um pedaço de arco-íris
a lua cheia saindo
da montanha triângulo.

Já desapareceu tudo o que tínhamos, o sol, a lua
e a montanha.
Espera-nos uma cabana no promontório.
Inverno todo o ano.
E o mar gelado em volta.

Kúaskítur og nordurljós, 1991


Versão minha - © Amadeu Baptista




Steinunn Sigurdardóttir (1950). Retrata a vida quotidiana com inusitado sarcasmo. Escreve também sobre o amor e a relação entre sexos nas suas diversas formas, com palavras e imagens que maneja de forma original. O seu estilo é vivo e baseia-se no uso siples e inesperado da língua, carregado de ironia. Publicou livros de poesia, romance, muitos livros de crónicas e um livro sobre Finnbogadóttir, antiga presidente islandesa.








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