POEMAS DE STEINUNN SIGURDARDÓTTIR
FLORA DO CÉU E DA TERRA
I
Transpor muitas vezes
os caminhos mais frequentados
cansar-se lentamente sob as árvores
ao longo das suas raízes
(As fontes fora do campo)
Ninguém cai
dão-te sempre a mão.
Etecetera.
II
Madrugada. Para o amanhecer
encaminhavas-te só
para a fábrica de estrelas.
Eu estarei atenta, como um casaco verde
moendo-te estrelas numa grande máquina.
Faremos um esforço
levantaremos o telhado da casa
e deixá-las-emos livres.
Verksummerki, 1979
NO
MEIO DA MONTANHA MÁGICA
Os
doentes da montanha
não
podem descer
e
muito menos subir.
Morrer
morrendo
tal
como os vivos. E ele leva-lhes flores.
No
baile de máscaras, eles. Tu e eu.
Nunca
antes.
Está
em francês. Remendam o sonho.
A
radiografia da sua prometida
guarda-a
junto a si
horizontal
no banco.
Tudo
é confuso. Transtornado
Na
Montanha Mágica
e
continuará a piorar.
Verksummerki, 1979
VESTÍGIOS
Os que chegam ao vazio
vêem terras cor de fungo
árvores queimadas
água estagnada
pássaros no ar
degelo pela metade.
Ninguém sabe o que se passou
só o que se nota.
Verksummerki, 1979
DUAS MIL PEDRAS
Apagadas as paisagens juvenis.
Sobrevoadas as nossas rochas
perante o profundo abismo
sob nenhuma casa.
Estivemos lá em maio. Maio.
Agora a rocha são duas mil pedras
dispersas por colinas desconhecidas
nosso cerro, desolada ilha deserta.
Lembro que me beijaste suave suavemente.
Guardião do corpo.
Defensor da mente.
Não me chega uma vida para chorar-te como tu mereces.
Ninguém te substituiu
ninguém estava comigo
lá onde os sonhos circulam.
Amor de minha alma jovem
não chega uma vida…
Oh se pudesse renascer
dó para chorar-te.
Kartöfluprinsessan, 1987
CANÇÃO MATUTINA PARA TODO O ANO
A manhã promete, sem que saibamos nada do que trará o dia.
É humano contentarmo-nos perante a esfera vermelha
que assoma nos cumes. Embotado de sonho
e ao mesmo tempo ardendo de interesse.
É algo muito nosso perguntarmo-nos pela marcha
dessas massas de nuvens na sua viagem caótica
à largura e ao comprimento
dos pontos cardeais.
Aonde vão? Pergunta inútil.
Nós seguimo-las.
Kartöfluprinsessan, 1987
RECORDAÇÕES
INVERNAIS
I
Hoje
cabe lamentar-me do que esqueci:
as
nossas mãos unidas, o céu avermelhado.
Hoje
cabe recordar, foi aqui,
onde
o mar começa, nas dunas, em março.
Não
tínhamos casa aonde ir. Nem um tecto sobre as lágrimas.
Apenas
nuvens sobre os beijos.
Agora
duas crianças correm sobre patins, com um cão,
sobre
um tanque gelado que aqui não estava.
Hoje
cabe recordar, foi aqui
onde
o mar começa, aqui é.
II
Já
nada resta
excepto
a recordação de uns lábios
sorridentes,
risonhos, antes das tuas histórias
(e
uns lábios tranquilos, antes do beijo).
Vejo
o mesmo sorriso, mas já não há histórias.
A
tua boca amada é agora um quadro
os
teus lábios um objecto de arte
não
tocar, não tocar.
Já
nada resta
excepto
a recordação de umas mãos
mãos
na treva de um quarto de uma casa.
Já
não te encontro mais numa casa
uma
casa que foi demolida.
Apenas
restam ruínas, informes, com arestas
e a
recordação fugaz da tua mão na minha mão.
Já
nada resta
excepto
a recordação
daquele
passeio de dezembro pelo caminho gelado.
Vento
de terra dento alvoroçada
o
cabelo e o rumor do mar enchia os ouvidos
a
chuvarada do céu queimava as faces
presságio
de umas lágrimas que caíram depois.
Kúaskítur og nordurljós, 1991
NOTÍCIAS
DESTE INVERNO
As
notícias deste inverno são:
que
sopra a mesma nortada do teu tempo
que
ainda tece a névoa mantos sobre a triste imagem
desta
terra
que
os homens e os animais se arrastam aterrorizados
pelo
gelo
e
que a minha ausência, por fim, se irá notar.
Kúaskítur og nordurljós, 1991
AUTO-RETRATO
NUMA EXPOSIÇÃO
A
minha alma era ontem um anão no baile
que
esfregava contente os joelhos
e
sacava as raparigas para dançar.
Todas
se escandalizaram e rechaçaram aquela alma disforme.
Teve
que contentar-se em refugiar-se no bar
e
dançou só depois das duas
se
a isso se pode chamar baile.
Kúaskítur og nordurljós, 1991
LUGARES
HISTÓRICOS
Rumo
ao sul encontramos um pedaço do
arco-íris
lua
cheia saindo
de
um monte triangular.
Exploramos
a paisagem
à
luz do escurecer.
Tínhamos
ovelhas
e
pássaros desertos e rios.
Tínhamos
uma antiga história
que
nos marcava o rumo
e
encontramos um caminho novo.
E
chegou a manhã ao nosso encontro, sol na parede
do
cemitério
dia
com céu azul na lava do páramo.
Tudo
isso não te bastava. Querias uma aurora boreal
com
as cores do arco-íris, querias uma montanha
redonda
e uma espiral por sol.
Mas
eu queria um pedaço de arco-íris
a
lua cheia saindo
da
montanha triângulo.
Já
desapareceu tudo o que tínhamos, o sol, a lua
e a
montanha.
Espera-nos
uma cabana no promontório.
Inverno
todo o ano.
E o
mar gelado em volta.
Kúaskítur og nordurljós, 1991
Versão minha - © Amadeu Baptista
Steinunn Sigurdardóttir (1950). Retrata a vida quotidiana
com inusitado sarcasmo. Escreve também sobre o amor e a relação entre sexos nas
suas diversas formas, com palavras e imagens que maneja de forma original. O
seu estilo é vivo e baseia-se no uso siples e inesperado da língua, carregado
de ironia. Publicou livros de poesia, romance, muitos livros de crónicas e um
livro sobre Finnbogadóttir, antiga presidente islandesa.
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