quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Henry Parland



                                          POEMAS DE HENRY PARLAND


Hoje está muito frio.
A condensação dos reclames do cinema
pica como agulhas de gelo.
As sombras dos cabos eléctricos
querem cortar-me o pescoço.
O ar encolheu tiritando
por trás da esquina mais próxima.

                Idealrealisation, 1929




Uma mãe dirigiu-se a mim:
diga-me
o que falta
ao meu amor?
os meus filhos não me amam
como eu a eles.
Disse-lhe:
indiferença,
um pouco de refrescante indiferença
é o que falta ao teu amor
– então partiu
a olhar o chão.

                Idealrealisation, 1929




Tendes ouvido
a gargalhada das estações de comboio
quando ao passar vertiginoso o trem
lhes pisca o olho:
Venham comigo!

As estações de comboio jamais vão com ele.
Reflectem
sobre o gélido sorriso dos horários
e gargalham
perante as desesperadas tentativas dos carris
para se afastarem de rastos dos travessas.

                Idealrealisation, 1929



Não é verdade
que o cinema seja uma arte
(que não é arte?)
O cinema é uma religião
que transforma a realidade
num par de formosas pernas.
Podemos vê-las
mas não tocar.

                Idealrealisation, 1929




Houve um tempo
em que me atrevia a dizer:
eu
não posso
eu
não quero
(provavelmente seria porque
ainda não sabia
que na realidade
é assim).

Återsken, 1932



Dinheiro
por que o amo
acima de tudo?
Porque é o único murro
que pode derrotar
a cara de buldog embezerrado da vida.

Återsken, 1932




Tenho costume de comer.
Contra isso talvez
alguém objecte que todos os homens.
Mas, é isso uma objecção?

Återsken, 1932



Eu sei
quem rasgou as nuvens à patada
mas agora o sol resplandece.
Eu sei
quem derrubou
todas as sombras
mas agora jazem imóveis no chão.
Eu sei
quem atirou a bomba
mas atingiu o alvo.

Återsken, 1932


Voltei-me
a constipar
e estou em casa
espirrando poesia
por todo o escritório.
Os vacilos revoluteiam pela divisão
conjuntamente com os micróbios poéticos;
não posso dizer de ciência certa
quais são
uns
e quais são outros.

Återsken, 1932



Uma vez senti pena
de um homem.
Tinha um aspecto miserável
e corriam-lhe mal os negócios.
Até que um dia nós
um junto do outro
perante o mesmo espelho…

Återsken, 1932



Quero dizer
que em qualquer caso
fico exactamente na mesma.
Em qualquer caso não posso permitir-me ao luxo
de viver
por mais barato que seja.

Återsken, 1932


Eu
levantei-me às oito da manhã
(contra todos os direitos humanos?)
Levantei-me às oito.
– Heroísmo?
digamos: horário de escritório!

Hamlet sade det vackrare, 1961 (póstumo)



Ia sentado olhando pela janela
o comboio levava-me por silenciosas paragens nevadas
todo o destroçado e roto na terra
estava coberta de neve.
E quando mais se alargava a viagem
mais sereno
ia ficando o meu coração.
Uma fresca e estranha alegria

– o meu coração tinha
gelado.

Hamlet sade det vackrare, 1961 (póstumo)



Estou a barbear-me
diante de um espelho
estrábico
e a minha imagem
mostras umas ganas irresistíveis
de zombar de mim pondo a língua de fora.

Mas eu faço-o antes,
e devolve-me uma piscadela compreensiva
mas então a navalha
faz-me dois cortes idênticos no queixo.

Hamlet sade det vackrare, 1961 (póstumo)



Talvez não importe
deslizar para trás
sempre que tenha suficiente
velocidade.
Sempre será melhor
que arrastar-se para diante
(para uma meta
que em qualquer caso não existe).

Hamlet sade det vackrare, 1961 (póstumo)


Versão minha - © Amadeu Baptista


Henry Parland (1902-1930). Nasceu em Viipuri. Estou Direito e trabalhou como funcionário consular em Kovno (Lituânia), onde morreu. Colaborou na revista Quosego e na imprensa lituana com artigos sobre cinema e literatura. Publicou apenas um livro em vida Idealrealisation, em 1929. Em 1964 publicou-se a sua poesia completa: Hamlet sade det vackrare (‘Hamlet disse-o mais belamente’).






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