terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Einar Bragi



                                                    POEMAS DE EINAR BRAGI


CANÇÃO DE OUTONO NA PRIMAVERA

Voa em silêncio para o sul,
ainda que chega o verão,
a tarambola do pálido prado
do cinzento páramo,
refresca um vento de asas silenciosas
os grisalhos salgueiros.

O que causa essa pena tão funda
oh cisne na onda?

A alegre cascada perdeu
a sua voz jubilosa
deixou o seu jogo o arroio
calaram-se as fontes
abatido na sua pena está o páramo
e abandonada a harpa.

O que causa essa pena tão funda
oh cisne na onda?

Assustada e calada, à minha pátria,
como a um pinheiro jovem,
ocorre-lhe o mesmo:
não canta
o degelo traz sobre o mar
uma canção de outono na primavera.

O que causa essa pena tão funda
oh cisne na onda?

Svanur á báru, 1952



ESTRIBILHO

Enquanto a terra dorme
envolta em branco manto
fluem tíbios alegres mananciais
que sonham primaveras, pelas suas veias.

Não ouço o seu rumor
mas o meu sangue capta
a calada suspeita
de um botão verde sob a neve.

Gestabod um nótt, 1953




CHUVA DE MAIO

Envolveu o menino nos seus cabelos, recolheu-o nos braços e entrou no dia, branco de sol. Vi-a acercar-se de onde a esperava, a meio do plano sedento de primavera, que acolhia com júbilo a semente recém semeada. Sorriu-se olhando-me nos olhos tristemente e disse: tu lutas pelo teu amor e pela vida contra o medo e a morte. Então inclinámos ambos a cabeça e deixamo-nos baptizar de novo. E o canto da vegetação eterna ascendeu da terra, pelas nossas bocas, cada vez mais alto, até que os céus se abriram e uma chuva suave e fertilizante nos bendisse a todos.

Regn í maí, 1957



O CARRO ARRASTA UMA RAIZ VERMELHA

O carro arrasta uma raiz vermelha
sobre a calçada negra de chuva:
novelo reluzente
que persegue a noite
sempre em círculos
na sua desesperada busca
de luz.

Sobre um losango polido
sob a névoa de cristal
volvem-se fumo branco
sorrisos, mãos, lábios impacientes
garrafas, moscas brilhantes
que voam silenciosas.

Um varredor misterioso
segue as suas marcas, recolhe
da fria calçada
pássaros friorentos
peixes vivos recém pescados
com a sua ferida de anzol aberta.

Regn í maí, 1957




CANTIGA DE AMOR

Amo a mulher nua
com um rouxinol nos olhos
lírio perfumado recém desperto
banhada no branco sol da manha
à mulher jovem grávida
com os seus vermelhos casulos
sobre colinas pálidas
impaciente, ansiando
borboletas sequiosas,
à mulher orgulhosa, exultante,
que mostra a todo o mundo
o seu fértil campo primaveril semeado
onde o mistério cresce na escuridão
da porosa terra: cresce.

Regn í maí, 1957



BAILE

Ninguém na sala ouviu as tuas palavras… «Amo-te…», que se esfumaram na voragem
da música mais indefesas que as ternas folhas que os ventos arrancam com os olhos fechados de árvores desconhecidas no outro lado dos rios.

Regn í maí, 1957



AMANHECER

Quando a noite morreu no glaciar umas mãos jovens surgiram das nuvens, entraram no meu peito e abriram as fechaduras das portas para que a luz do dia pusesse em fuga a treva. Já não quero continuar a andar pelos campos a decifrar os mistérios pagãos das pedras, mas apenas descansar silencioso no regaço fresco e matinal do páramo olhando com olhos infantis as lágrimas alegres que verteu a noite por ter dado à luz um dia tão formoso.

Regn í maí, 1957



FAMA

Lentamente

fecha-se o laço
sobre o delgado pescoço

e o pássaro do páramo
alça a sua voz
de angústia

cala-se então o bulício
do mundo um instante

os homens escutam
surpreendidos o canto
e preparam novos

laços.

Regn í maí, 1957




NA FONTE

Junto a esta fonte clara
onde tantas vezes nos temos alegrado
com imagens gratas:
o rosto de uma jovem
uns formosos olhos infantis
as rugas de uma face desconhecida,
reunimo-nos calados
surpreendidos pelo receio inesperado
de que um dia tudo desapareça
a água se perca pelas gretas
e uma descarnada caveira nos contemple,
confiada na solidão das ruínas,
do alicerce onde se encontrava a fonte.

I ljósmálinu, 1970



JUVENTUDE

A brisa desperta
a água na clara madrugada

assim desperta o amor
ondas no teu sangue

novas a cada noite

I ljósmálinu, 1970



QUANDO ANOITECE

Vou-me,
mas os dardos brancos
de misteriosas luzes
que ardem nos olhos do dia
caem sobre o meu caminho
iluminam as minhas pegadas
sobre a areia cinzenta
quando anoitece.

I ljósmálinu, 1970




CANÇÃO NOCTURNA

Nas noites de tranquila geada, quando o cume tinha deixado a sua sombra sobre o fiorde, seguia eu as marcas na neve de uns pés jovens que agora pisam caminhos desconhecidos. Mas de súbito, e como se a neve tivesse derretido, voltei a vê-las e guiavam-me até às portas de uma casa desaparecida onde o sorriso de duas estrelas exultantes me saúdam como a luz de uma janela invisível.

Ljód, 1983


VISÃO NOCTURNA

Aqui acaba a rua
mas o olhos segue
a senda prateada
por enseadas e promontórios
e detém-se
junto à luz
sobre um túmulo amigo:
a lua sobre um vulcão
do deserto.

A sombra de dois corvos
revoluteiam inquietas sobre a neve gelada.
No alto voa a águia.

Ai de vós
homens sanguinários:
o fantasma do túmulo
tem o sono leve
e não se deixa ver
até que posto em marcha
aterroriza o páramo,
muito assustador.

 Tímarit Máls og Menningar, 2, 1988


Versão minha - © Amadeu Baptista









Einar Bragi (1921-2005). Pertenceu ao grupo dos poetas atómicos, jovens poetas que surgiram na década de 40 do século passado na Islândia. Iniciou-se como pintor em 1946 e como poeta em 1949. Os seus poemas caracterizam-se pela concentração e a depuração constante da forma. Foi muito activo em outros campos literários, entre os quais se conta a tradução de poesia e a edição. Foi fundador da revista Birtingur, que se publicou entre 1953 e 1968.

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