POEMAS DE EINAR BRAGI
CANÇÃO DE OUTONO NA PRIMAVERA
Voa em silêncio para o sul,
ainda que chega o verão,
a tarambola do pálido prado
do cinzento páramo,
refresca um vento de asas silenciosas
os grisalhos salgueiros.
O que causa essa pena tão funda
oh cisne na onda?
A alegre cascada perdeu
a sua voz jubilosa
deixou o seu jogo o arroio
calaram-se as fontes
abatido na sua pena está o páramo
e abandonada a harpa.
O que causa essa pena tão funda
oh cisne na onda?
Assustada e calada, à minha pátria,
como a um pinheiro jovem,
ocorre-lhe o mesmo:
não canta
o degelo traz sobre o mar
uma canção de outono na primavera.
O que causa essa pena tão funda
oh cisne na onda?
Svanur á báru, 1952
ESTRIBILHO
Enquanto a terra dorme
envolta em branco manto
fluem tíbios alegres mananciais
que sonham primaveras, pelas suas veias.
Não ouço o seu rumor
mas o meu sangue capta
a calada suspeita
de um botão verde sob a neve.
Gestabod um nótt, 1953
CHUVA DE MAIO
Envolveu o menino nos seus cabelos, recolheu-o nos braços e entrou no dia, branco de sol. Vi-a acercar-se de onde a esperava, a meio do plano sedento de primavera, que acolhia com júbilo a semente recém semeada. Sorriu-se olhando-me nos olhos tristemente e disse: tu lutas pelo teu amor e pela vida contra o medo e a morte. Então inclinámos ambos a cabeça e deixamo-nos baptizar de novo. E o canto da vegetação eterna ascendeu da terra, pelas nossas bocas, cada vez mais alto, até que os céus se abriram e uma chuva suave e fertilizante nos bendisse a todos.
Regn í maí, 1957
O CARRO ARRASTA UMA RAIZ VERMELHA
O carro arrasta uma raiz vermelha
sobre a calçada negra de chuva:
novelo reluzente
que persegue a noite
sempre em círculos
na sua desesperada busca
de luz.
Sobre um losango polido
sob a névoa de cristal
volvem-se fumo branco
sorrisos, mãos, lábios impacientes
garrafas, moscas brilhantes
que voam silenciosas.
Um varredor misterioso
segue as suas marcas, recolhe
da fria calçada
pássaros friorentos
peixes vivos recém pescados
com a sua ferida de anzol aberta.
Regn í maí, 1957
CANTIGA DE AMOR
Amo a mulher nua
com um rouxinol nos olhos
lírio perfumado recém desperto
banhada no branco sol da manha
à mulher jovem grávida
com os seus vermelhos casulos
sobre colinas pálidas
impaciente, ansiando
borboletas sequiosas,
à mulher orgulhosa, exultante,
que mostra a todo o mundo
o seu fértil campo primaveril semeado
onde o mistério cresce na escuridão
da porosa terra: cresce.
Regn í maí, 1957
BAILE
Ninguém na sala ouviu as tuas palavras… «Amo-te…», que se esfumaram na voragem
da música mais indefesas que as ternas folhas que os ventos arrancam com os olhos fechados de árvores desconhecidas no outro lado dos rios.
Regn í maí, 1957
AMANHECER
Quando a noite morreu no glaciar umas mãos jovens surgiram das nuvens, entraram no meu peito e abriram as fechaduras das portas para que a luz do dia pusesse em fuga a treva. Já não quero continuar a andar pelos campos a decifrar os mistérios pagãos das pedras, mas apenas descansar silencioso no regaço fresco e matinal do páramo olhando com olhos infantis as lágrimas alegres que verteu a noite por ter dado à luz um dia tão formoso.
Regn í maí, 1957
FAMA
Lentamente
fecha-se o laço
sobre o delgado pescoço
e o pássaro do páramo
alça a sua voz
de angústia
cala-se então o bulício
do mundo um instante
os homens escutam
surpreendidos o canto
e preparam novos
laços.
Regn í maí, 1957
NA FONTE
Junto a esta fonte clara
onde tantas vezes nos temos alegrado
com imagens gratas:
o rosto de uma jovem
uns formosos olhos infantis
as rugas de uma face desconhecida,
reunimo-nos calados
surpreendidos pelo receio inesperado
de que um dia tudo desapareça
a água se perca pelas gretas
e uma descarnada caveira nos contemple,
confiada na solidão das ruínas,
do alicerce onde se encontrava a fonte.
I ljósmálinu, 1970
JUVENTUDE
A brisa desperta
a água na clara madrugada
assim desperta o amor
ondas no teu sangue
novas a cada noite
I ljósmálinu, 1970
QUANDO ANOITECE
Vou-me,
mas os dardos brancos
de misteriosas luzes
que ardem nos olhos do dia
caem sobre o meu caminho
iluminam as minhas pegadas
sobre a areia cinzenta
quando anoitece.
I ljósmálinu, 1970
CANÇÃO NOCTURNA
Nas noites de tranquila geada, quando o cume tinha deixado a sua sombra sobre o fiorde, seguia eu as marcas na neve de uns pés jovens que agora pisam caminhos desconhecidos. Mas de súbito, e como se a neve tivesse derretido, voltei a vê-las e guiavam-me até às portas de uma casa desaparecida onde o sorriso de duas estrelas exultantes me saúdam como a luz de uma janela invisível.
Ljód, 1983
VISÃO NOCTURNA
Aqui acaba a rua
mas o olhos segue
a senda prateada
por enseadas e promontórios
e detém-se
junto à luz
sobre um túmulo amigo:
a lua sobre um vulcão
do deserto.
A sombra de dois corvos
revoluteiam inquietas sobre a neve gelada.
No alto voa a águia.
Ai de vós
homens sanguinários:
o fantasma do túmulo
tem o sono leve
e não se deixa ver
até que posto em marcha
aterroriza o páramo,
muito assustador.
Tímarit Máls og Menningar, 2, 1988
Versão minha - © Amadeu Baptista
Einar Bragi (1921-2005). Pertenceu ao grupo dos poetas atómicos, jovens poetas que surgiram na década de 40 do século passado na Islândia. Iniciou-se como pintor em 1946 e como poeta em 1949. Os seus poemas caracterizam-se pela concentração e a depuração constante da forma. Foi muito activo em outros campos literários, entre os quais se conta a tradução de poesia e a edição. Foi fundador da revista Birtingur, que se publicou entre 1953 e 1968.
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