quarta-feira, 15 de maio de 2013

Sigbørn Obstfelder



POEMAS DE SIGBØRN OBSTFELDER


VEJO

Vejo o branco céu
vejo as nuvens azul acinzentado
vejo o sol sangrento.

Então é isto que é o mundo.
Então é isto que é o lar dos planetas.

Vejo as casas altas,
vejo as mil janelas,
vejo o distante campanário.

Então é isto que é a terra.
Então é isto que é lar do homem.

As nuvens acinzentadas amontoam-se. O sol desaparece.

Vejo os senhores bem vestidos,
vejo a senhoras sorridentes,
os cavalos inclinados.

Quão pesadas ficaram as nuvens acinzentadas.

Eu vejo e vejo…
Terei chegado a um planeta errado!
Aqui tudo é tão estranho…

Digte, 1893


TORMENTOS

O que quereis de mim, rosas malditas?
Maldita lua, malditas árvores!
Sorrisos femininos por todos os lados!
Sussurros femininos, mãos femininas!

Vagabundeei entre urze e pântanos, –
eu – um deus?
O meu coração sangra, – retorce-se, encolhe,
Ela ondula as suas ancas em suaves mantas, –
ela – uma rameira!


Chorei na terra húmida, –
eu – um deus?
Ela é tão formosa – branca, branda, ardente –
o pescoço branco na almofada branca,
o cabelo castanho ondeia exuberante, ondulante –
Por que tremeis, lírios?

Ela fez deslizar as suas mãos em torno do meu pescoço –
Morte e inferno, por que estais a tremer?

…Tormentos, – tormentos que se acercam furtivamente, –
tormentos venenosos, fatigantes!

…Numa tumba à luz da lua está sentado
no cemitério entre os mortos
com uma sombra longa trémula
um homem enregelado.

Estrelas.

Vós, estrelas –
lá longe, aí onde andais,
há aí paz?
Pureza?

Caminhais tão silenciosas.
É como Deus, que respira,
as estrelas os seus pensamentos.

…As estrelas os seus pensamentos…

Dedos brancos, seios redondos, pupilas brilhantes,
– mas sem espírito algum!

Milhões de esplêndidas flores tem o campo,
milhões de radiosas borboletas,
brilham e morrem, desaparecem.
A brancura de uma mulher amarelece.

Como flores carmesim sem aroma,
os sonhos dos sentidos não têm espírito.
Como estrelas são os olhares de espírito a espírito,
como sóis os sorrisos de alma a alma,
como o calor do mundo é o abraço
entre um homem nobre e uma mulher nobre!

…Já não há lua.
Também as estrelas se apagaram.
As rosas e os lírios dormem.
Olha, o casto resplendor da alba beija,
beija a agulha do campanário.

Amanhecer!
Há na terra entre as mulheres uma
casta?

Digte, 1893


PODE FALAR O ESPELHO?

Pode falar o espelho?

O espelho pode falar!

O espelho olhar-te-á em cada manhã,
                inquisitivo,
olhar-te-á como o olho profundo, inteligente,
                 o teu!
saudar-te-á com o olho azul escuro, cálido.
              És puro?
  És fiel?

Digte, 1893



A ROSA

A rosa!
Eu amo a rosa!

Todos os lábios jovens do mundo
beijam rosas, beijam rosas.

O palpitante sonho da jovem donzela
– ninguém pode conhecê-lo
excepto…
a rosa.

Todas as mulheres do mundo mesclaram a sua respiração
com o aroma das rosas, sussurraram, como lábios trémulos,
as palavras doces, as palavras ardentes que não conhece ninguém,
ninguém excepto a rosa, que é o tremor mais ardente.
                 

Efterladte Arbeider, 1903



ROSAS

Sim, rosas! Murchai!
Murchai!

                                               *

Foi a meio do inverno, em pleno dia. Os repiques dos
sinos da igreja agrupavam-se lá em cima e desapareciam. Ali
em cima, onde o ar é puro.
    Eram cor-de-rosa e vermelho e nevavam pétalas de rosa.

                                   Carmesins da primavera,
                                   louras do Outono,
                                   brancas do inverno,
                                   amarelas do verão.

                                               *

Não! Eu não posso!
Oh – assim como – assim como – quando – –  morre!

                                               *

    Ela tinha os olhos mais doces, sim, os mais sorridentes. Estava muito
longe. Chorava.

                                               *

    Reúnem-se sobre ele, caem, gotejam, gotejam, lançam-se e agrupam-se,
reúnem-se sobre ele para formar um suave – as pétalas brancas, as pétalas vermelhas – um doce beijo de rosa, beijo de pétalas de rosa.
    No rosto, na boca, no pescoço.

                                               *

    Ai, eu não posso, não posso – eu só quero –
    Suavemente queria eu morrer! Queria sentar-me nos joelhos e beijá-la e abraçá-la e morrer como um menino obediente que fica a dormir.
    Nela, que é a morte.

                                               *

    O seu vestido fora tecido de rosas e cosido com caules. A sua respiração era
o aroma das rosas. O seu sorriso era o sorriso das rosas. Mas, os olhos?
    O seu pranto era o pranto das rosas.

                                               *

    Neva. Rosas do sol. Rosas das estrelas, milhões de rosas de meteoros que perderam o rumo. Sobre o coração deposita-se o manto de rosas e o coração aquece e palpita ligeiro.

                                               *

                                   Folhas e folhas –
                                   Palpita. – Palpita
                                   Botão após botão.
                                   Palpita. Palpita.

                                               *

    muitos olhos. Há tantos olhos como rosas. São olhos moribundos.

                                               *

    Não, são dois olhos.

                                               *

                                   São dois. São dois
                            p.     Palpita – Palpita.
                                   São dois. São dois.
pp.          Palpita. Palpita. ~

*
                                 
                                   Magnífico.
                                   Estou cego. Não vejo.

                                               *

                                   Deus.

                                               *

                                   São dois. São dois.
                                   Morre.
                                   São dois. São dois.
                                   Morre.

                                               *

                                   É um.

                                               *

    Ele jaz num mar de rosas. O mundo é – rosas, tudo é rosas, os pensamentos são rosas.
    Escurece. O sol oculta-se. Tudo se faz um. Não há ar nem água nem terra nem gentes. Há apenas um ser humano – e rosas.
    O coração aquieta-se. O coração converte-se numa – rosa – que murcha. E a seiva seca. E as pétalas encolhem.
    Selvaticamente até ao horizonte, rosas, selvaticamente fixa o olhar, selvaticamente, rosas, rosas, (furioso) pétalas de rosa, botões de rosa:/:cálices de rosas:/:aroma de rosas, pranto de rosas, rosas – cores de rosas – (mor.) rosas.

                                               *

                                               Eu?

                                               *
    Selvaticamente fixa os olhos no horizonte olhando para – rosas. E morre.

*      *
    *

Tu?

[Escrito em 1892]


TREMULA O CENTEIO

Que é aquilo que se move ali no centeio?        
                        O centeio treme.
É o vento de este que balança as espigas,
                        O centeio treme.

Que é aquilo que serpenteia ali no centeio?
                        O centeio treme.
É a noite que chega com sombras curvas.
                        O centeio cresce.

Que é aquilo que se levanta ali no centeio?
                        O centeio treme.
É a nossa filha que se desonrou no centeio.
                        O centeio treme.

                                                                      [Escrito em 1899]



Versão minha - © Amadeu Baptista

Sigbørn Obstfelder (1866-1900). Nasceu em Stavanger. Estudou filologia e mais tarde fez-se engenheiro de máquinas. Trabalhou nos Estados Unidos durante algum tempo. Passou os últimos anos da sua vida a vagar de um lugar para outro na Noruega e no continente europeu. É o percursor do modernismo na lírica norueguesa.

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