POEMAS DE SIGBØRN OBSTFELDER
VEJO
Vejo o branco céu
vejo as nuvens azul acinzentado
vejo o sol sangrento.
Então é isto que é o mundo.
Então é isto que é o lar dos planetas.
Vejo as casas altas,
vejo as mil janelas,
vejo o distante campanário.
Então é isto que é a terra.
Então é isto que é lar do homem.
As nuvens acinzentadas amontoam-se. O sol desaparece.
Vejo os senhores bem vestidos,
vejo a senhoras sorridentes,
os cavalos inclinados.
Quão pesadas ficaram as nuvens acinzentadas.
Eu vejo e vejo…
Terei chegado a um planeta errado!
Aqui tudo é tão estranho…
Digte, 1893
TORMENTOS
O que quereis de mim, rosas malditas?
Maldita lua, malditas árvores!
Sorrisos femininos por todos os lados!
Sussurros femininos, mãos femininas!
Vagabundeei entre urze e pântanos, –
eu – um deus?
O meu coração sangra, – retorce-se, encolhe,
Ela ondula as suas ancas em suaves mantas, –
ela – uma rameira!
Chorei na terra húmida, –
eu – um deus?
Ela é tão formosa – branca, branda, ardente –
o pescoço branco na almofada branca,
o cabelo castanho ondeia exuberante, ondulante –
Por que tremeis, lírios?
Ela fez deslizar as suas mãos em torno do meu pescoço –
Morte e inferno, por que estais a tremer?
…Tormentos, – tormentos que se acercam furtivamente, –
tormentos venenosos, fatigantes!
…Numa tumba à luz da lua está sentado
no cemitério entre os mortos
com uma sombra longa trémula
um homem enregelado.
Estrelas.
Vós, estrelas –
lá longe, aí onde andais,
há aí paz?
Pureza?
Caminhais tão silenciosas.
É como Deus, que respira,
as estrelas os seus pensamentos.
…As estrelas os seus pensamentos…
Dedos brancos, seios redondos, pupilas brilhantes,
– mas sem espírito algum!
Milhões de esplêndidas flores tem o campo,
milhões de radiosas borboletas,
brilham e morrem, desaparecem.
A brancura de uma mulher amarelece.
Como flores carmesim sem aroma,
os sonhos dos sentidos não têm espírito.
Como estrelas são os olhares de espírito a espírito,
como sóis os sorrisos de alma a alma,
como o calor do mundo é o abraço
entre um homem nobre e uma mulher nobre!
…Já não há lua.
Também as estrelas se apagaram.
As rosas e os lírios dormem.
Olha, o casto resplendor da alba beija,
beija a agulha do campanário.
Amanhecer!
Há na terra entre as mulheres uma
casta?
Digte, 1893
PODE FALAR O ESPELHO?
Pode falar o espelho?
O espelho pode falar!
O espelho olhar-te-á em cada manhã,
inquisitivo,
olhar-te-á como o olho profundo, inteligente,
– o teu!
saudar-te-á com o olho azul escuro, cálido.
És puro?
És fiel?
Digte, 1893
A ROSA
A rosa!
Eu amo a rosa!
Todos os lábios jovens do mundo
beijam rosas, beijam rosas.
O palpitante sonho da jovem donzela
– ninguém pode conhecê-lo
excepto…
a rosa.
Todas as mulheres do mundo mesclaram a sua respiração
com o aroma das rosas, sussurraram, como lábios trémulos,
as palavras doces, as palavras ardentes que não conhece ninguém,
ninguém excepto a rosa, que é o tremor mais ardente.
– – – – – – – – –
Efterladte Arbeider, 1903
ROSAS
Sim, rosas! Murchai!
Murchai!
*
Foi a meio do inverno, em pleno dia. Os repiques dos
sinos da igreja agrupavam-se lá em cima e desapareciam. Ali
em cima, onde o ar é puro.
Eram cor-de-rosa e vermelho e nevavam pétalas de rosa.
Carmesins da primavera,
louras do Outono,
brancas do inverno,
amarelas do verão.
*
Não! Eu não posso!
Oh – assim como – assim como – quando – – morre!
*
Ela tinha os olhos mais doces, sim, os mais sorridentes. Estava muito
longe. Chorava.
*
Reúnem-se sobre ele, caem, gotejam, gotejam, lançam-se e agrupam-se,
reúnem-se sobre ele para formar um suave – as pétalas brancas, as pétalas vermelhas – um doce beijo de rosa, beijo de pétalas de rosa.
No rosto, na boca, no pescoço.
*
Ai, eu não posso, não posso – eu só quero –
Suavemente queria eu morrer! Queria sentar-me nos joelhos e beijá-la e abraçá-la e morrer como um menino obediente que fica a dormir.
Nela, que é a morte.
*
O seu vestido fora tecido de rosas e cosido com caules. A sua respiração era
o aroma das rosas. O seu sorriso era o sorriso das rosas. Mas, os olhos?
O seu pranto era o pranto das rosas.
*
Neva. Rosas do sol. Rosas das estrelas, milhões de rosas de meteoros que perderam o rumo. Sobre o coração deposita-se o manto de rosas e o coração aquece e palpita ligeiro.
*
Folhas e folhas –
Palpita. – Palpita
Botão após botão.
Palpita. Palpita.
*
Há muitos olhos. Há tantos olhos como rosas. São olhos moribundos.
*
Não, são dois olhos.
*
São dois. São dois
p. Palpita – Palpita.
São dois. São dois.
pp. Palpita. Palpita. ~
*
Magnífico.
Estou cego. Não vejo.
*
Deus.
*
São dois. São dois.
Morre.
São dois. São dois.
Morre.
*
É um.
*
Ele jaz num mar de rosas. O mundo é – rosas, tudo é rosas, os pensamentos são rosas.
Escurece. O sol oculta-se. Tudo se faz um. Não há ar nem água nem terra nem gentes. Há apenas um ser humano – e rosas.
O coração aquieta-se. O coração converte-se numa – rosa – que murcha. E a seiva seca. E as pétalas encolhem.
Selvaticamente até ao horizonte, rosas, selvaticamente fixa o olhar, selvaticamente, rosas, rosas, (furioso) pétalas de rosa, botões de rosa:/:cálices de rosas:/:aroma de rosas, pranto de rosas, rosas – cores de rosas – (mor.) rosas.
*
Eu?
*
Selvaticamente fixa os olhos no horizonte olhando para – rosas. E morre.
* *
*
Tu?
[Escrito em 1892]
TREMULA O CENTEIO
Que é aquilo que se move ali no centeio?
O centeio treme.
É o vento de este que balança as espigas,
O centeio treme.
Que é aquilo que serpenteia ali no centeio?
O centeio treme.
É a noite que chega com sombras curvas.
O centeio cresce.
Que é aquilo que se levanta ali no centeio?
O centeio treme.
É a nossa filha que se desonrou no centeio.
O centeio treme.
[Escrito em 1899]
Versão minha - © Amadeu Baptista
Sigbørn Obstfelder (1866-1900). Nasceu em Stavanger. Estudou filologia e mais tarde fez-se engenheiro de máquinas. Trabalhou nos Estados Unidos durante algum tempo. Passou os últimos anos da sua vida a vagar de um lugar para outro na Noruega e no continente europeu. É o percursor do modernismo na lírica norueguesa.
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