segunda-feira, 25 de junho de 2012

Gunvor Hofmo


POEMAS DE GUNVOR HOFMO


DE OUTRA REALIDADE

Ponho-me doente do grito que pede realidade.
Estive demasiado próximo das coisas,
de modo que me queimei ao atravessa-las
e estou do outro lado delas,
onde a luz não está separada da obscuridade,
onde não se pôs nenhum limite,
só um silêncio que me lança para um universo de solidão,
de incurável solidão.
Olha, refresco a mão na erva fria:
Isto será a realidade,
será suficiente realidade para os teus olhos
mas estou do outro lado
onde as lâminas da erva são sinos sonoros de pena e
    amarga expectativa.
Tenho nas mãos a mão de uma pessoa,
olho os olhos de um ser humano,
mas eu estou do outro lado
onde o homem é bruma de solidão e angústia.
Ai, se eu fosse uma pedra
que pudesse suportar o peso deste vazio,
mas eu sou um ser humano arremessado ao país fronteiriço,
e ouço rugir o silêncio,
oiço gritar o silêncio
de mundos mais profundos do que este.

Fra en annen virkelighet, 1948



AMIZADE ACABADA

Tudo sem altura, sem profundidade.
Andar pelas tuas ruas e sorrir
maliciosamente para as tuas entranhas
enquanto te fica o asco
na garganta:

os olhos exilados de Cristo
não são teus,
morta está a tua amarga ternura por uma alma.
Céu baixo, neve cinzenta e um cemitério.

I en våkenatt, 1954



BARCO NOCTURNO

Os corredores vazios.
Só está acesa a lâmpada da mesa.

O hospital como um barco
que navega por águas perigosas.
E os passageiros angustiosamente despertos.
Atentos aos ruídos de fora,
algum tremor no enorme casco do barco,
um grito que nunca chega.

Finalmente o grito volta-se
para os signos de sonho do céu
representados, imagem após imagem,
por anjos negros como a noite que abrem
os abismos com as suas chaves celestes.

E calada, uma enfermeira acerca-se com passo rápido
de alguém que se queixa a dormir.
O barco inclina-se para uma noite ainda mais profunda.

               
Gjest på jorden, 1971



DESPACHA-SE

Despacha-se o asseio matinal
despacham-se almoço e jantar
com a mesma inexorabilidade
Despacha-se a tarde
e os enfermeiros vão para casa
Despacha-se o sonho
e a enfermeira anda com passo ligeiro
pelos corredores.
Despacham-se as guerras
e algo sempre fica
crianças com pele cinzento de chumbo, o soldado
com uma perna que zurze
a muleta contra a calçada,
os cegos.
Despacha-se a morte
e há uma rosa solitária
diante de uma pedra fria.

            November, 1972



DEUS NÃO FALA

Deus não me fala
a mim como a Moisés
não me agride
como a Job
mas Ele está no
terrível silêncio
dentro de mim.
Lentamente Ele
vai-se desprendendo
como as primeiras folhas
luminosamente verdes da bétula.

            Veisperringer, 1973



NÃO EXISTE

Não existe
o que veio com a chuva
o que veio com os ventos
o que veio com a neve
A queixa inconsciente
de um pássaro adormecido disse-o:
não existe!

Mellomspill, 1974



UMA ROSA BRANCA

Uma rosa branca é uma lua
colocada no deserto jarrão
do céu.

Der er sent, 1978



Versão minha - © Amadeu Baptista



Gunvor Hofmo. Nasceu em 1921, em Oslo. Publicou os seus primeiros poemas no jornal comunista Friheten e na revista Hjemmet. Um dos seus primeiros poemas foi escrito para a sua amiga Ruth Maier, que veio a ser, durante o Holocausto, presa, deportada e assassinada em Auschwitz, perda central para a vida de Gunvor Hofmo, que iniciou uma luta profunda com a depressão e a doença mental. Foi institucionalizada no Gaustad Hospital, entre 1955 e 1971. De 1977 até à sua morte, que ocorreu em 1995, nunca deixou o seu apartamento em Nordstrand, Oslo. Publicou 17 livros de poesia e foi traduzida em sueco e em russo.

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