quinta-feira, 14 de junho de 2012

Carlos Alberto Machado


Carlos Alberto Machado, poeta convidado


3 poemas de Por Isso Voltarei


A natureza em geral enfada-me com os seus fins de tarde melífluos
como aqueles no atlântico em frente ao convento de são francisco
onde só falta a santinha sob os últimos raios de sol entre as nuvens
por muito menos que isto já se escreveu muita poética e comadres
do mesmo santo ofício crítico se exauriram em sangues literários
e não é pois de espantar que versos com estes congreguem contra eles
as várias matilhas que salivam nos engenhos de mal-dizer – onde 
o silêncio enraivecido de alguns amamenta úlceras e apoplexias
a história está a abarrotar de cobardes e assassinos
poderá titular-se assim o primeiro capítulo

in Registo Civil, Poesia Reunida, Lisboa, Assírio & Alvim, 2010






Um banco do common park em boston no meio
de um “enorme relvado que era o relvado do mundo”
à nossa volta os esquilos tranquilos com o seu futuro fizeram 
apetecer-me uma sanduíche “sem qualquer molho simbólico”
(“um homem e uma mulher atravessavam o enorme relvado”)
e tu com um toque de magia tiraste dos sacos de papel 
duas “sanduíches de realidade”. 

in Registo Civil, Poesia Reunida, Lisboa, Assírio & Alvim, 2010






Na sala de embarque do aeroporto de lisboa um homem rejubila
com as mãos engorduradas com manteiga de amendoim africana 
outro homem no mesmo local porta dez contrai os músculos faciais
tem as mãos enegrecidas pelo le monde com notícias frescas de terror
ao ouvir a mensagem dos altifalantes de aviso de última chamada
para o voo um oito quatro três com destino à horta outro homem
com as mãos limpas deixa que a urina lhe escorra pelas pernas
este homem confirmo de mãos limpas será o último a embarcar
e morrerá no voo um oito quatro três avião vitorino nemésio
vítima de um ataque cardíaco imediatamente antes da explosão
da bomba de plástico engenhosamente oculta na sua mala de mão
isto foi o que eu disse na minha narrativa ao polícia espantado
pela minha descrição pormenorizada da realidade só não percebeu
disse-me mais tarde com a barriga encostada ao balcão do bar
onde o primeiro homem foi descobrir a manteiga de amendoim
pobreza conceptual gritei-lhe depois de pagar a conta e partir.

in Registo Civil, Poesia Reunida, Lisboa, Assírio & Alvim, 2010






Fotos (ilustração dos poemas): © de Amadeu Baptista


Poemas: Carlos Alberto Machado



Carlos Alberto Machado, n. em Lisboa, a 18 de Novembro de 1954.Poeta e outras coisas mais. Editor da Companhia das Ilhas. Principais obras publicadas:
Estórias açorianas (ficção/contos, Lajes do Pico, Companhia das Ilhas, 2012) 
Corpos (poesia, azulcobalto/Milideias, 2011)
Por eso volveré / Por isso voltarei / C’est pourquoi je reviendrai (poesia, Horizontes Insulares, Gobierno de 
    Canarias, 2010)
Registo Civil (poesia reunida, Assírio & Alvim, 2010)
Hoje Não Há Música (teatro, Escola Portuguesa de Moçambique, 2010)
5 Cervejas para o Virgílio (teatro, & etc, 2009)
Hamlet & Ofélia (teatro, Escola Portuguesa de Moçambique, 2008) 
Talismã (poesia, Assírio & Alvim, 2004)
A Realidade Inclinada (poesia, Averno, 2003)
Aquitanta (teatro, ed. autor, 2003)
Restos. Interiores (teatro, ed. autor, 2002)
Os Nomes que Faltam (teatro, Teatro Nacional S. João/Cotovia, 2001)
Mito, seguido de Palavras Gravadas na Calçada (poesia, & etc, 2001)
Transportes & Mudanças. Três Peças em um Acto (teatro, frenesi, 2000)
Teatro da Cornucópia. As Regras do Jogo (ensaio, frenesi, 1999) 

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