5 poemas de Benny Andersen
DIETA
As gambas secam a córnea
a gordura dá seborreia
os crepes atulham em demasia o estômago
o toucinho não é bom para o coração
o peixe não é bom para o carniceiro
o frango não é bom para os franganotes
os croquetes não são bons para nada
evitem a sopa de mandioca durante o casamento
o doce é pecado
o ácido é perigoso
o sal encurta a vida
o amargo prolonga inutilmente
a marmelada achata as orelhas
o guisado contrai a bexiga natatória
os ovos fazem com que os braços fiquem torcidos
o queijo influi no sentido do olfacto
o rábano branco influi no paladar
as massas influem a audição
os rábanos limitam o horizonte
as ervilhas entravam o crescimento
a couve-flor impede que se veja a paisagem
o pequeno-almoço tira o apetite
o jantar agudiza-o
os alimentos não são bons para o estômago
a vida é malsã
nham
nham
nham
Det indre bowlerhat, 1964
VOYEUR
Ver –
sabe-se verdadeiramente o que seja
ver?
Árvores, pássaros, rostos nas ruas, nos comboios –
é isso ver?
Tudo adopta uma pose.
Não há mais do que fotografar.
Mas ver
é surpreender o motivo
quando este não se sente observado.
Estou de joelhos em frente à fechadura
e vejo:
a mulher do terceiro andar detém-se para tomar alento –
quem a não ser eu
a viu a reconhecer as suas gorduras?
O carteiro coça o rabo diante da minha porta.
Um jovem nervoso não pára de limpar as mãos
às mangas – em vão.
O ocioso, de olhar fixo, leva a mão ao coração,
o mendigo sorri jactante a descer a escada,
o erguido derruba-se
e o bonifrates apruma-se,
eu vejo, vejo
pela primeira vez,
de joelhos diante do meu pequeno altar,
o buraco da minha fechadura por onde passa
o frio vento da verdade –
enfim respiro,
por fim vejo realmente
agora que ninguém me observa.
Kamera med køkkenedgang, 1965
M
Suspenso um crucifixo sobre a minha cama
para mim o amor é sagrado
olho por cima do ombro do meu amante
e tropeço com o martirizado olhar do crucificado
mas o meu amante dá-se conta
sente ciúmes
não compreende
detém-se
e tenho que pendurar o Filho do Homem na cozinha
no prego dos panos da cozinha
mas deixo a porta entreaberta
e quando nos pomos de certa maneira posso ver
o meu Salvador através da frincha
que acena com a cabeça: e carrego também com ele.
E assim que dói de verdade
tiro dele o máximo proveito
quando realmente dói
sinto que o Coroado de Espinhos
vigia para que tudo se faça correctamente
eu sofro
os espinhos afundam-se na minha carne
a cortina rasga-se de cima abaixo
carrego a minha parte do sofrimento do mundo
tudo está consumado
Portœtgalleri, 1966
ESTA INCERTEZA
Quando finalmente compreendi que certamente não era de mim
de quem tinhas dito aquilo e que certamente não era aquilo
o que havias dito e que certamente não eras tu o que
o havia dito fiquei nervoso de verdade porque
que é o que te podia ocorrer não dizer
na próxima vez em que talvez não vás dizer nada sobre mim.
Det sidste øh, 1969
UM BURACO NA TERRA
Apareceu um buraco na terra. Vazio.
Sem terra à volta
não existiria em absoluto.
O buraco depende profundamente da terra,
um vazio que mostra que algo existe
algo que mostra que aquele vazio existe.
Se não houvesse terra
tão pouco haveria vazio.
De um buraco vieste
à terra voltarás.
Ou vice-versa.
Dou uma palmaditas carinhosas no buraco
e sigo caminhando na terra.
Personlige papirer, 1974
Versão minha - © Amadeu Baptista
Benny Andersen. Nasceu em Vangede, Copenhagen, em 1929. Estreou-se em 1965. Além de poesia, escreveu um romance, guiões para cinema, literatura infanto-juvenil e comédias para a televisão. Excelente pianista, compõe a música e as letras das suas canções. A sua poesia, de tom humorístico, é já parte integrante da cultura dinamarquesa.
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