sábado, 5 de abril de 2014

Jorge Fallorca 1949-2014

Um poema meu, como simples homenagem a Jorge Fallorca:




UM POEMA PARA JORGE FALLORCA, UM DIA APÓS O SEU DESAPARECIMENTO

Na adolescência o Fallorca era-me um nome estranho
Que eu gostava de ler em poemas e outras dádivas
Incorpóreas que vinham a lume nessa folha
Perversa que já antes do 25 de Abril se publicava
Na rua da Emenda, Subterrâneo 3. O Fallorca era um ser
Magro, quase diáfano, de grande generosidade,
Se é que o silêncio pode ser, alguma vez, generoso,
Que deambulava entre Salgueirais e Lisboa,
Ao contrário de mim, que sempre fui tendo peso a mais,
Sempre fumei até ao apodrecimento e do Alentejo apenas
Gostaria de ter uma mais ampla consciência da bênção
Que me foi dada, ainda que, até agora, a não tivesse
Notado nestes dias permanentes do exílio. Mais tarde,
Ainda que estivéssemos sempre longe um do outro,
Procurámos besouros na planície, habitámos regiões
Onde não era proibido arregimentar flores, perdemo-nos
Na sacrossanta via do envelhecimento e da solidão,
Como instrumentos de pesca, ou de caça, que se têm à mão
Para o que der e vier, mas a que só se dá um uso benigno
Por entrega voluntária. Dizem que apodrecemos
Quando partimos.  Nada mais errado.
O enervamento é um sinal de que a putrefacção
Nunca deixa de funcionar, tal como o assombro
Que o rio Eurotas me provocou quando o vi pela primeira vez,
Por evocação de Helena, a deusa que não cessa e vou perseguindo
Como posso desde que me conheço e encontrei na Grécia
A minha última consolação, o último reduto, essa líquida
Certeza que faz do esquecimento um lancil onde repousar
A cabeça. Com a partida do Fallorca fico mais pobre,
Seja lá o que for a pobreza por alguém ter partido
Depois de ter tomado a vida à colherada, longe, mas perto
Do mundo. Ah, raios partam, nunca mais acaba a chuva
deste Inverno infinito.

© do poema e da foto: Amadeu Baptista




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