quarta-feira, 9 de abril de 2014

Marianne Larsen



POEMAS DE MARIANNE LARSEN


AS MULHERES DOENTES DO PARQUE

Mulheres de pernas delgadas
com cabeleiras
quando vos vejo
onde contraíste a vossa doença
por que levais cabeleiras de cabelo sintético
os vossos pescoços de ave
quem se aproveitou de vós
olhos esbulhagados
sorris quando me vedes
sou vossa
o que quereis que diga
quando passais
imaginai-vos a passar pela cidade
sorris como uma boca demasiado grande sobre o queixo
a vossa dentadura postiça fica-vos demasiado grande
pela noite quando dormis dolorosamente
faz-vos bater os dentes
quem se aproveitou de vós
dar-vos-ia comprimidos celestiais se os tivesse
dar-vos-ia conta de tudo
não caminharíeis sós
brilharia todo o cabelo que penteais sob a cabeleira
    a cada dia
não usaríeis cabeleira
por que a única coisa que dizem os vossos olhos quando os vejo
é uma desculpa embaraçada por vos ter posto tão feias
comprais os semanários e as revistas de moda
eu sei
vi-vos levando-os
fingis que querei comprar e provar os luxuosos anúncios das revistas
nem sequer tendes forças para mudar de cabeleira
para a prender com pequenos ganchos
não vos resta nada onde a prender
sorris
vejo que faltam dentes nas vossas bocas artificias
por que caminhais indispostas pelos parques
despedis odor a operações ainda não cicatrizadas
quem se aproveitou de vós

Ravage, 1973



HOJE

Hoje
        encontrei-me com alguém
                                                        a quem já conhecia
sempre
me disse ele
                    tinha sonhado com
                                                     o meu isolamento
ontem à noite
como
         perguntei-lhe
                               pois olha disse
sonhei
que tinhas uma quantidade
                                             grande
                                                          de gente bonita
ao teu redor
sonhei
           que a tua casa estava viva
                                                    com gente
que entrava e saía
a correr
            pelas portas
                                 subiam e desciam
                                                              pelas escadas
falando e rindo
alegres
            ocupadas
                            em cortar e coser
                                                       vestidos
de todas as cores
para uma festa
                         que se ia celebrar
                                                      essa mesma tarde
                                                                                   imagina
se o isolamento diário
não existisse
                     essas experiências
                                                   oníricas
não ocorreriam
não ocorriam
                        como divina
                                            compensação

Billedtekster, 1974



FÁBULA

Quando as pessoas acordam pela manhã nas suas isoladas células
    familiares
com um estranho sabor de canções de liberdade na boca,
desperta também o seu vazio.
E imediatamente o vazio começa a alegrar-se por ver
as pessoas a desaparecer na obscuridade a caminho das máquinas que
    aguardam
para poder ter os quartos e as coisas da família só para ele.
Espera invisivelmente tenso.
Quando está certo de que todos a mãe e o pai e as crianças
se foram
salta como um duende de uma caixa e põe-se a bisbilhotar e a
mandar. Ninguém sabe quanto perverso é o vazio.
O vazio que se mantém nas casas privadas quando as pessoas saíram.
Mexerica as cartas e os armários das pessoas, prova toda a roupa,
mirando-se e remirando-se em todos os espelhos.
O vazio tem luz verde quando não estamos em casa.
As pessoas odiam o vazio e o vazio odeia as pessoas. O tempo
que são obrigados a permanecer juntos é um tormento. Mas cada um
consome as suas próprias aversões. O vazio consome-as
porque sabe que o espera uma manhã feliz quando as pessoas
desaparecem da sua vista durante todo um dia de trabalho. Mas por que as pessoas
guardam a aversão ao vazio no seu interior, elas
nem sempre podem esperar uma alegra manhã longe dele no escritório
e nas fábricas. Não, mas nas fábricas podem aprender
a estar unidos, e quando estão unidas não notam tanto
o vazio. As pessoas sempre falaram em unir-se para remover
o vazio das suas casas e dos seus empregos.

Handlinger, 1976



Sente-se como um áspero muro de pedra artificial
contra as costas
no entanto nota-se o roçagar suave
das pontas das folhas de uma planta na nuca

um pássaro deve ter voado
através do muro
que me separa dos outros na prisão do mundo

bem dentro da escuridão do muro
impenetrável às vezes
talvez o pássaro tenha perdido uma semente
e teve que deitar raízes

finalmente o dente de leão fez-se tão grande
que pude soprá-lo

Pludselig, 1985



Floresce um espinheiro branco

ruídos de auto-estrada
ao longe

um fiorde pestaneja

uma comunidade carregada de emoção espera
muito dentro do ar um lugar na terra

Pludselig, 1985




NO MUNDO

A mulher trouxe a criança ao mundo.
Deixo-a ficar ali no seu carrinho um par de horas.
Da cozinho não o perdeu de vista durante todo o tempo
do que se passava à criança ali no mundo.

Estalavam guerras.
Os quatro elementos foram transformados em dinheiro.
Desenvolveram-se espécies de existências venenosas.
Florescia o terrorismo de Estado.

Havia uma bomba debaixo do carrinho.
A criança gritou.
Tinha acordado.
A mulher precipitou-se a fazer alguma coisa.

I timerne og udenfor, 1987



SERES HUMANOS

É de manhã.
As perguntas apresentam-se.
Que vão fazer os seres humanos
hoje?

I timerne og udenfor, 1987




PRIMAVERA

Primeiro a manhã.
depois o resto
das tentativas
de se elevar até
a cotovia que voa sobre a cidade.

I timerne og udenfor, 1987



SONDAGEM DE OPINIÃO

Qual é a tua posição relativamente à luz matinal?
Aprovas as direcções do vento?
É correcto que alguém sonhe a cores
ou deveria proibir-se?
Será que podem aguentar o acaso os entes atómicos mundiais
que as brisas e os bandos de pássaros sigam indo e vindo?
Como se posiciona o senhor perante o acónito de inverno?
Poderá considerar-se talvez  um comércio olhar
a perder de vista por cima de um mar?
Há suficientes estrelas no céu?

I timerne og udenfor, 1987



Versão minha e foto - © Amadeu Baptista







Marianne Larsen (1951). Estudou literatura e chinês na Universidade de Copenhaga. Trabalho em várias fábricas e foi enfermeira. O seu primeiro livro de poesia data de 1971, tendo-se convertido numa das poetas comprometidas mais importante do país nessa década. Escreve também prosa. É tradutora. 




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