terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Bo Carpelan



                                             POEMAS DE BO CARPELAN



PEQUENO POEMA

O cata-vento gira ao vento,
o seu peso é o do vento.
Agora pára.
O silêncio devém pedra.
Cai através de ti
a tal velocidade, que acordas
aterrorizado, uma noite de verão.

Landskapets forvandlingar, 1957



JUNTO Á MESA A TUA FIGURA

Junto à mesa a tua figura,
sobre a tua mão a sombra da cabeça do menino, uma fruta,
o teu olhar fixo, através da janela, nos movimentos das árvores,
o movimento reflectido na faca que corta o pão, o uso
e a claridade das coisas.

Den svala dagen, 1960



PASSEIO OUTONAL

Um homem caminha pelo bosque
num dia de luz irisada.
Encontra muito pouca gente,
detém-se, contempla o céu outonal.
Dirige-se ao cemitério
e não o segue ninguém.

Den svala dagen, 1960



A árvore,
a luz ramificada.

73 dikter, 1966



Árvores invernais,
frágeis, o seu sossego
vi-o, não o vi
cedo.

73 dikter, 1966



Quando o verão tinha descarregado a sua chuva como folhas
e também as folhas tinham caído, tinha chegado Setembro,
vi deslizar um pássaro sobre a minha cabeça,
uma sombra de mim que vivia na terra,
presságio de Outubro, sem palavras, mas a mesma canção.

73 dikter, 1966



OUTONO

O outuno é a minha estação.
Os dias transparentes, os cinzentos crepusculares,
os caminhos inundados de água,
a suave névoa.
Não exijas nada, não prometas demasiado.
Ainda assim: há um cheiro a cadáver nas folhas que ardem,
podridão no feno,
gelo no barro,
um vazio nos grandes ventos
como mortalhas e velas.
Tudo morto, tudo se apagando, tudo quieto:
esta sensação não chegou demasiado cedo,
como uma sombra,
uma pedra, polida, depositada sobre os dias de junho?

Källan, 1973


O MANANCIAL

À distância, cruzando os campos
ouve-se, débil mas nitidamente
o manancial de primavera.
Escuto,
aproximo-me.

Pelos bosques estivais,
perfumados de sol e frescor,
soam os ecos da água ridentes.
Sigo o meu caminho,
procurando.

Já se vislumbra
por entre as copas das árvores outonais
o vale onde sussurra
o escondido arroio.
Tenho que descansar.

Como se houvesse neve no ar,
como se os passos fossem infinitos.
Escuto, estou perto.
A voz do manancial, mais débil,
continuadamente ali,
invisível.

Källan, 1973



A luz cai sobre as asas do pássaro
e o pássaro estende-as, afasta-se deslizando
e cria o espaço.

I de mörka rummen, i de ljusa, 1976



NO TERRAÇO DE AGOSTO

A mesa começa a ficar velha, sustem-se instável
sobre as torpes patas. As dobradiças cedem,
as superfícies envernizadas gretam, a mesa
range quando alguém lhe bate.
Também a tarde é velha, cheira a folhas velhas,
amieiros, matas de framboesas silvestres. É difícil
encontrar no verdor que começa a petrificar-se
uma flor, ainda que debilmente luminosa,
que aromatize, esquecida como o quarto de verão de uma estirpe morta –
um aroma a roupa velha, noz moscada ou serrim
sob o embrulho corroído pela humidade nas casas abandonadas.
Algo imóvel, cego penetra em mim através do pensamento:
já sereno com o entardecer de Agosto,
já inquieto ataque de imagens como se um estranho
me obrigasse a folhear rapidamente um álbum de fotografias
com grupos de pessoas – rara uma paisagem,
com uma vegetação selvagem como esta paisagem de agora,
os juncos nunca mais altos, a água coberta de pólen
e na mesa a lâmpada com  seu círculo de luz
sobre o copo, a revista, o caderno. Tudo velho.
De onde estou sentado vejo um caminho coberto,
anos que crescem de novo, silêncio que cresce de novo.
Alguém diz no rádio: «A URSS e os EUA não são estados
no seu significado corrente, são blocos de poder
que consideram óbvio possuir o mundo.»
E um pouco mais tarde: «A Finlândia não é um mau museu».
Anoitece rapidamente, desço um pouco o pavio,
permaneço sentado um instante e acostumo os olhos à noite.
Homens velhos agarram-se com força ao seu  bloco, por cansaço
e costume, e borboletas nocturnas atiram-se contra o velho
mapa tosco do ecrã da lâmpada.
Encontro-me num museu não demasiadamente mau.
Apago a chama. Faz-se escuro, depois cinza.
Alguém vem com a sua remada silenciosa, atraca
no cais de madeira apodrecida, entre os dois blocos
céu e terra. Um voz bem conhecida, querida:
«Vou-me deitar, não te demores muito,
vais ter frio.» Tomo uma toalha,
vou à praia, ajoelho no cais,
molho a cara. Calma, vento débil,
descanso que escuta


Dagen vänder, 1983



NÃO SABIA QUE PÁSSARO

Não sabia que pássaro
se encontrava nos matagais envoltos pela frescura da tarde –
o seu trinado assemelhava-se ao de um melro
mas com mais alento e anseio:
eu tenho muitas vozes, escuta,
fundidas em uma,
ascendente ao ascender o dia,
minguante ao pôr-se o sol,
faz-se uma com o bosque e a luz nocturna:
o espelho da baía, as ribeiras escuras
e uma calmaria feita para canções
que se fundem numa
nos matagais envoltos pela frescura da tarde.

Não soube que pássaro.

Dagen vänder, 1983


Vestida de branco como se tivesse querido caminhar invisível
entre os muros deslumbrantemente brancos – mas
o seu cabelo, a sua pele, os seus membros
resplandecentes, escuros.

Marginalia till grekisk och romersk diktning, 1984



Versão minha - © Amadeu Baptista
 
 
 
 

 
 
Bo Carpelan (1926-2011). Nasceu em Helsínquia. Doutorado em Letras com uma tese sobre a obre de Gunnar Björling. Trabalhou na biblioteca de Helsínquia, de que foi sub-director. Crítico literário no jornal Hufvudtadsbladet. Poeta, dramaturgo e romancista. É o poeta mais representativo da geração dos anos 50, do séc. XX, na poesia finlandesa.

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