quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Rui Almeida



                                                  

                                                    UM POEMA DE RUI ALMEIDA





AVE MARIA DE SCHUBERT (LUCIANO PAVAROTTI)

Para o Amadeu Baptista, no seu 60.º Natal

Repara no anjo da anunciação
Pintado por Gregório Lopes, tem
Um jeito de soldado, ainda
Que o leve sorriso deixe perceber
Outros desígnios na missão
Para que foi enviado. Tem a voz
Forte e grave, está descalço. É
Um jovem tocado pela fragilidade
De quem obedece, mas
A solenidade com que fala
Deixa a mulher que o ouve
Perturbada, ainda que serena.
É num trejeito quase de fado
Que dá conta do humano fruto
Do ventre dela.
E que sabe ela agora das dores, do parto,
Da migração forçada, das incertezas
Todas? Que pode saber de um dia
Ter nos braços, morto, Esse de quem
Agora lhe fala o anjo?
E com que silêncio terá de se resguardar
Perante a incompreensão? Agora,
Escuta. Repara no anjo, na delicadeza
Com que se inclina, com que aponta
Para falar da força que desce. Ouve
As palavras pronunciadas no sobrevoo
De uma pomba em clarão. É terrível
O poder de uma saudação assim, de
Um sopro. Não temas, só na revolta há
Resposta certa ao inexplicável e só
Pela doçura se chega
Ao incomensurável da graça.


© Rui Almeida




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