POEMAS DE GUNNAR BJÖRLING
Desliza uma barca entre as folhas, alvorece em torno das águas
onde se demora a noite.
Silêncio, como de golpes de remo não ouvidos. Desliza uma barca
águas acima.
À sua volta estão os mil olhos: uma barca afasta-se
deslizando.
Korset och löflet, 1925
Eu sou frio, húmido, sentimental, como um ramo. E inteligente –
como uma mosca. O meu riso é a palhaçada do macaco, a minha seriedade a do
polícia. Tenho dentes de roedor e pata de cão perdigueiro, cérebro de
perca e coração de lúcio. O meu humor é o do populacho, o meu orgulho
o de um bandido no cadafalso.
– O belo ergueu-se da toca do leão.
Korset och löflet, 1925
Eu serei compreendido
com olhos, coração, cérebro –
compreender-me-ão com umbigo e unhas,
sairei da tua pele de couro de rastros
e esticarei a pele
como se para cordas de harpa.
Darei numa igreja o concerto
do eternamente novo.
Solgrönt, 1933
Quero viver na cidade como deve ser
com retrete, luz eléctrica, cozinha com gás
e ruas limpas
e jardins de pessoas ricas uma esquina sim e outra não
e palácios e cafés, riqueza exposta nos escaparates,
e por cinco marcos ou dois marcos um rectilíneo
esplendor.
Um mar de luz e diversas cores
e rostos, destinos
e a luz do céu – um estímulo de ideias
e luta e amor recém guardado
para cada um
e para todos, todos!
ser como uma planta num prado primaveril
estar como uma árvore entre as árvores
ocupar um lugar como uma pedra entre as pedras
da construção,
saber que milhares de pessoas se amam e se alegram, têm preocupações
e os mesmos belos olhos riem lágrimas e ardem e
se inundam, sonham, tropeçam, sucumbem,
mas irão para um reino de gloriosas façanhas
com luminosa perspectiva.
– Rejubilo da existência das ruas das cidades, das suas fábricas
e a beleza está fora e dentro.
O céu e a água são iguais
e a noite não é tão escura sob os faróis que rodeiam a rua e a
água.
Ao vazio chegam sons do baile dos amontoados, gritos, desespero,
e a solidariedade com o multiplamente conhecido,
e solitário está o destino entre milhares de olhares que suportar,
e lutar no pulular das gentes
é como estar sob a carregada abóbada do bosque
com a abóbada das estrelas escondida no coração.
O retumbar das cidades – tudo!
um igual e um irmão de todos
e a luta por mil até mil
e a luta contra todos
e por fim esses olhos, muitos olhos
conhecidos,
não conhecidos,
que levamos como uma tigela
que não se deve derramar.
Solgrönt, 1933
Eu não escrevo literatura, eu procuro o meu rosto e os meus dedos.
Cheguei como a sombra da alegria dos meus esforços,
cheguei como a ânsia pelo grande poema da vida
e eu levava o meu poema
como um dia de vida despedaçado,
como um dia de vida que flutuava em novas formas, rico e
milagrosamente curado,
como um rumor de dias somados,
dos homens com quem vivo.
Fågel badar snart i vattnen, 1934
Limpa, limpa-te
tu, a tua palavra
limpa tu
silhueta, tu não a podes
explicar.
Sê o que és
sê essa música
sê tu, tu mesmo
como um concerto de palavras
sê tu, como alguém escondido
na mudez do mundo
um concerto
sonhado.
Dar jag vet att du, 1938
Neve e como num caminho do bosque
branco
no espaço um sussurro
e aqui
e faz uma hora
e correndo um cãozinho castanho claro
e como estrelas resplandecentes a luz de candeeiros resguardados
de súbito cresce só no espaço o sussurro do vento de tempestade
neve e como num caminho do bosque
branco.
Angelägenhet, 1940
Tu, chamo-te
a ti, luz nos dias cinzentos
em duras noites de inverno
chamo-te na ténue luz do verão
tu, chamo-te a ti
hoje
no tempo de infância dos anos
no verão da tarde
ainda,
tu, tu mais calado e próximo
tu, tu sussurras em volta de mim
ou silvas, gritas
és o rumor da noite
e o sentido do dia
tu, o sentido do meu próprio coração
tu, meu lar, minha casa
– a palavra de um homem
uma mão, uma voz
a luz de olho
como todos.
Ohjälpligheten, 1943
Silencioso verão entre as árvores
e na praia, sem estrelas
sem onda nem vento
e todas as coisas são
todas as coisas um instante
tudo o que foi, e será
e é –
um pássaro grita
uma luz passa pelas águas
a luz oculta de uma lua
o silêncio de uma canção
a sombra do contorno de uma ilha
– eu estou tão próximo da luz
como a luz das flores nos escuros territórios dos túmulos.
Ohjälpligheten, 1943
Virão tempos
o poder calca as nossas tumbas
o pensamento hoje dá remédio
ninguém sabe o pensamento amanhã
virão tempos
nós teremos desaparecido
sem eco nem resposta
mas é dia na terra
e foi
virão tempos
ninguém sabe o pensamento amanhã
a vida é eco e resposta
o silencio oferece o eco do verão
e a cria da andorinha marinha grita a sua resposta.
Ohjälpligheten, 1943
É hino
são palavras
sem palavras
são olhos e a mão
ar é e luz.
Luft är och ljus, 1946
Agora afastam-se todos os barcos deslizando
Agora afasta-se tudo vibrando
num vento sem vento
agora cai a calma sobre a baía e o mar e os golfos
agora está a morrer o sol de verão
e o branco velame dos iates
agora lateja a luz
jubilosa pela última vez no verão
agora – como nas brumas
luz de brumas
luz
da doçura do dia cinzento
apagamento não apagado
na tarde de setembro
luz
ressoante e audível, e
não exactamente
– não escutes, não a olhes
mas no entanto mais clara
soante e audível.
Ett blkyertsstreck, 1951
Estão a apagar-se as luzes e as pessoas saem em tropel
é já o crepúsculo, acabou o trabalho
o tropel estende-se pela praça
figuras negras
e caminho e sombras
vão-se apagando janela após janela
a névoa demora-se cinzenta nos telhados
é primavera e bonança
o crepúsculo
no entanto continuam a sair as sombras em tropel
e a luz estende-se por caminhos e campos.
Allt vill jag fatta i min hand,, 1974
As minhas palavras são tão simples, nascem da claridade
nascem da minha vida, do pensamento e da vontade nascem
do desespero de viver. As minhas palavras e a minha voz.
Allt vill jag fatta i min hand,, 1974
UM SÓ POEMA
Um só poema o meu livro
um só poema são todos os meus livros
um poema a minha vida
a minha vida, a tua e a de todos
um poema, e tudo é vida
tudo isso e é e foi
um poema
ao longo de anos e dias
cada época levanta-se e em todas as mãos
um poema – a tua vida
e o meu poema esta vida:
a tua vida, a minha vida
um poema – a minha vida, toda a vida.
Allt vill jag fatta i min hand,, 1974
Versão minha - © Amadeu Baptista
Gunnar Björling (1887-1960) Nasceu em Helsínquia. Licenciado em Letras.
É uma das grandes figuras do modernismo finlandês em língua sueca.
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