POEMAS DE JÓN ÚR VÖR
PAZ ARMADA
O velho canhão
no musgoso forte
olha o céu
com o seu olho silencioso,
e um pássaro fez
o seu primeiro ninho
e elegeu para ele
o largo tubo.
Stund milli strída, 1942
A MEIO DO INVERNO
Cri que nevavam
rosas vermelhas e brancas
e o ar cheirava suave
a meio do inverno.
Aquela a quem amava
caminhava ao meu encontro.
Stund milli strída, 1942
PARA QUE NASCESTE?
Para que nasceste?
O que se te encomendou?
Arrancas umas pedras da terra
para que cresça a erva
e o baldio da aldeia ri-se de ti
pois a montanha ainda não está nem meio erodida,
rugosos os penhascos, nuas as quebradas.
Nasceste hoje,
mas a tua cova foi cavada ontem.
Thorpid, 1946
TRANQUILA E SILENCIOSA
Tranquila vela a luz
na mão branca do candelabro,
suave e silencioso cruza o sol
as terras em penumbra.
Tanta algazarra
não apagará a miséria do mundo.
Tranquilo e silencioso e na terra
o grão faz-se pão.
Med hljódstaf, 1951
A LUZ DO DIA
A luz do dia canta nos teus cabelos
caminhas pela margem
e até as pedras amaciam
sob os teus pés nus.
O teu silêncio é a pulsação
daqueles pássaros
que perdido o seu rumo
morrem no mar.
Med örvalausum boga, 1951
SOU UM PUNHADO DE TERRA
Oh, aonde estás,
verdade do simples,
clara como o arroio
que nasce de uma fonte.
Oh, aonde está a tua terra,
pura como as lágrimas de uma criança,
clara como os olhos assombrados
que desfrutam do sol pela primeira vez.
Oh, aonde estás,
verdade do simples,
descalço escutarei a tua fria resposta.
Como pássaro só na escuridão,
longe de toda a fé,
sei que dormirei esta noite,
despertarei amanhã?
Mas aonde, oh, aonde.
Eu sou apenas um punhado de terra
e tu o vento.
Med örvalausum boga, 1951
CHINESAS
Recorda
essas pedras minúsculas,
pequena
pupilas polidas pelas ondas
da fria eternidade.
Coloca-as uma a uma
sob a raiz da língua,
até encontrares no fim
aquela
que se derreta nos teus lábios
e se faça poesia.
Maurildaskógur, 1965
GAIVOTA DE INVERNO
O mar guarda o meu canto,
igual aos demais
segredos seus,
num silêncio hermético.
No seu olho vivaz
eu criança, vigilante,
procuro uma
e outra
concha maravilhosa
e frágil.
E vejo ainda
as asas estendidas
da gaivota de inverno
sobre a onda que cai.
Vetrarmávar, 1960
O CAVALO CEGO
Os que ainda tinham olhos
em Hiroshima
viram o cavalo cego,
os flancos chamuscados,
a cauda queimada, sem crinas,
correr ao abandono
pelas ruínas da cidade,
nem a morte
ousava montá-lo.
Maurildaskógur, 1965
CHINESAS
Recorda
essas pedras minúsculas,
pequena
pupilas polidas pelas ondas
da fria eternidade.
Coloca-as uma a uma
sob a raiz da língua,
até encontrares no fim
aquela
que se derreta nos teus lábios
e se faça poesia.
Maurildaskógur, 1965
PISADAS
Outrora as pisadas
eram só palavras
nos versos de outros.
Agora que te espero,
os nervos à escuta,
todos os desenganos se juntam
num mesmo som
quando as lajes da calçada
te distanciam de mim.
Mjallhvítarkistan, 1968
GEADA
A ti,
mulher maravilhosa
com coração
de geada.
O alado corcel
cabisbaixo te aguarda
junto ao rio
com a dor por brida.
Mjallhvítarkistan, 1968
SOMENTE POESIA
A minha vida
não era
senão poesia,
dança ao som maravilhoso
que ninguém ouvia
senão eu,
os meus dias,
os curtos e os compridos,
estrofes e palavras
sem rima.
Gott era d lofa, 1984
Versão minha - © Amadeu Baptista
Jón úr Vör nasceu em 1917 e faleceu em 2000. O seu terceiro livro, Thorpid (A Aldeia),
causou sensação no panorama literário islandês pelo uso do verso livre, algo insólito na lírica da época. Os seus versos cantam, sobretudo, o fazer quotidiano, em tom reflexivoe ponderado, matizado, por vezes, de ironia. Publicou doze colectâneas de poesia.
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