POEMAS DE ARTO MELLERI
XANGAI BLUES
Estou muito longe de casa, vagabundeio
só na noite de Xangai
quando os cristais quebrados do inverno cobrem as ruas
Estou muito longe de casa: os dragões,
a névoa e o abrótano sobem como plantas trepadeiras
a escrita indecifrável das
luzes da cidade, e a palpitante imagem especular do mundo
funde-se!
A aguardente, deslumbrantemente clara,
tira a vista dos olhos e a razão da cabeça...
A lua envolve a cidade em seda húmida.
Em todos os salões de baile a música estridente
calou-se, e um milhão de chineses adormecidos pela aguardente
jazem na neve de papel com a boca aberta.
Estou muito longe de casa, um marinheiro
que atrasou do barco naufragado,
permaneceu demasiado tempo no abraço da mulher,
húmido e nutritivo
como o limo do rio Amarelo. Estou muito longe de casa,
e o azulado nevão de esperma
cai sobre o País do Crescente Vermelho...
no abismo que se abre sob a cama de ferro
sussurram-se mutuamente a mulher e a serpente.
A aguardente, deslumbrantemente clara,
Tira a vista dos olhos e a inteligência da cabeça...
O remoinho suga violentamente entre as pernas da mulher.
As suas ligas tangem uma ária
da ópera revolucionária, abre as pernas...
apaga as luzes!
E a palpitante imagem reflectida do mundo
funde-se.
Deixai que se funda!
Mau-Mau, 1982
REBEL WHITOUT A CAUSE
Nestas fogueiras de acampamento
escrevo com tinta invisível
uma escrita que é a sua imagem especular
a mesa dos ciganos estendida
sobre a seda cambiante da erva,
naipes de Marselha,
le Pendu, o Enforcado, essa é a minha carta
e agora repicam os cascos dos cavalos
os filhos das concubinas do rei
cavalgam para afogar a revolta,
a minha comprida cabeleira ficou presa no ramo do carvalho
quando a mula ficou com o freio nos dentes,
repique de cascos,
desce-me daqui e solta-me
não vale a pena, pai, destroçar
as tuas preciosas vestes por mim,
desce-me
daqui.
Vuden aistin todistus, 1990
JUSTAMENTE QUANDO O CÉU GASTA AS SUAS ESTRELAS
Justamente quando o céu esta noite
estiver a gastar as suas estrelas connosco,
atira a tua casa pela janela, deixa que a copa
se derrame, se o que queres é transbordar,
ganhar ou perder é o mesmo:
dada uma vida
para gastar, uma só vida,
amemos acima das
das nossas possibilidades.
Estão abanando a cabeça
os croupiers do Casino do Amor,
mas esquece essa montanha de caspa:
aposta tudo numa carta,
que arda o dinheiro,
que cheire a Chanel, o mais caro
obviamente.
As velhas donzelas de ambos os sexos têm
olhos atentos... mas esquece-o;
a inveja que palpita atrás dos seus leques
está a pôr-nos loucos
Deixa que o suor escorra sobre os rostos
dos homens famosos cunhados nas moedas,
o cálculo dos benefícios
ficam longe deste sentimento.
Justamente quando o céu esta noite
está a gastar as suas estrelas connosco,
amemos acima das nossas possibilidades
o resto é dinheiro falso:
O amor não está à venda
no bazar dos quasares.
Elävien kirjoissa, 1991
A SURATA DA SOMBRA
O que não possui
uma sombra no seu interior
uma Sombra para que alguém se possa retirar
da multidão humana
uma Sombra, uma penumbra, um manancial secreto
que murmure pacificamente
um Manancial cujas águas curem
a febre da alma
encontra-se desamparado no deserto,
cego pelo sol,
condenado a crer
em todo o espelhismo
e a areia do deserto muda
constantemente de forma,
a cidade, riscada do mapa,
continuará como alheia
O que não possui
uma sombra no seu interior
uma Sombra, uma penumbra, um manancial secreto
um Manancial cujas águas curem
Desgraçado aquele que não tem uma Sombra no seu interior.
Elävien kirjoissa, 1991
NONATO
Não, não quero
nascer, não quero mudar o doce rumor do
líquido amniótico
pela luz, o grito que desgarra os pulmões
Não quero que me meçam,
me pesem, me subordinem ao Tempo
nem jogar às escondidas com a Morte
nisso a que chamam
vida
Assim está-se bem:
viajar para qualquer parte
levado pelo cordão umbilical
Não é que eu não saiba:
berrando
consegue-se o mamilo na boca, eu não quero abrir
os olhos
em frente à torturadora luz, ver tudo
como se eu não
tivesse existido antes, voltar a ouvir
algum novo nome
da boca de algum sacerdote
Quando os diques da carne
se fecham
começa tudo de novo
do berro às secundinas
O filho do homem nunca é tão velho
como o recém-nascido.
Elävien kirjoissa, 1991
Versão minha - © Amadeu Baptista
Arto Melleri (1956), nasceu em Lappajärvi e estudou na Universidade e na Escola de Teatro de Helsínquia. Escreve poesia e teatro.
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