Acabo de ter notícia da morte de Lêdo Ivo, em Sevilha, no passado dia 23. Tive a felicidade de o conhecer pessoalmente nas Correntes de Escritas, em Fevereiro de 2009. Numa das cartas que teve a amabilidade de me escrever, referiu, apesar da nossa diferença de idades, «sermos amigos de infância».
Em 1995 publiquei no nº 640 do JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias este poema, em sua homenagem:
SOBRE UMA FOTOGRAFIA DE LÊDO IVO
Tenho agora a imagem de Lêdo
no seu sobretudo galopante
e sei como me fala de uma raposa
de bronze, na estadia precária
desta vida.
Visito-o nas palavras estranhas,
essas mesmas que usa na navalha
diária para escrever
enquanto um manto de escuridão e luz
lhe ensombra e clarifica o rosto.
Ledo o vejo ainda entre cadelas
e putas
a sobrevoar aeroportos
e a perder-se de rua em rua
como um soldado
antes de celebrar o armistício
e desfraldar ao vento
a bandeira da pátria nunca vista.
Ele acompanha-me
e faz-me bem relê-lo,
Lêdo no coração
com a professora de estética
que bem poderia ser a causa próxima de uma paixão
se fosse a outra,
a que tomou café no mesmo café
onde eu escrevo agora
e se não chama Clitemnestra,
mas ocupa secretamente uma parte do meu quotidiano deslumbrado
por aquela saia curta e esse rosto inefável.
Olhe, Lêdo, há muito tempo que a poesia
me deslumbra, sobretudo a sua,
com esse acento trágico e efémero
a desafiar a noite
e a entregá-la ao sono e ao sonho
de ser sobrevivente de um naufrágio
que nunca aconteceu
mas vivemos juntos tantas vezes
que o oceano que nos separa
acaba por unir-nos
no rastro de tanta gente que caminha
connosco sobre as águas.
© de Amadeu Baptista
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