POEMAS
A história de uma
pedra numa estrada
uma pedra que esteve lá
muitíssimo tempo um
dia chega um camião
grande a toda a velocidade e
a pedra introduz-se
numa das estrias do
pneu onde
fica a girar
volta após volta após
volta se a pedra é
grande é atirada de repente
a vertiginosa velocidade
livre de novo se a pedra é
pequena vai-se introduzindo
na borracha até
que o pneu fique destruído.
HEKT, 1966
Em metade do sonho
como uma mancha amarela
numa composição em cinzento
apareceu alguém que gritou
jan erik
HEKT, 1966
UMA RAPARIGA DE GUAM
Conheço uma rapariga de Guam,
de qualquer modo conhecia-a, faz já tempo
que não sei nada dela, agora
vejo o nome GUAM
sobretudo relacionado com os grandes B-52
que descolam de bases de Guam
– ainda que nos últimos tempos uma grande parte deles
(uns 80% segundo o último Observer) estejam estacionados
na Tailândia, talvez Guam
no futuro se converta num
lugar mais pacífico
do que foi no último ano, seguramente
Vernita ter-se-á alegrado, estava tão contra
tudo o que tinha que ver
com a guerra, do que mais gostava
era andar pela praia, descalça, a sentir
a areia e os crustáceos
sob os pés. Cada filamento de erva
é um poema, dizia.
Mor Godhjertas glade versjon. Já,1968
BOM
Diz hoje no jornal
que ontem estiveram 24.975 espectadores
no jogo Noruega-Bulgária
no estádio de Ullevål.
Se eu não tivesse estado lá
teria havido 24.974
espectadores. Bom.
A partida terminou a 0-0.
kykelipi, 1969
SIGNIFICADO
Estou sentado na areia a desenhar
um círculo à minha volta.
Isso significa que estou preso.
Então levanto-me e saio
do círculo, sem problemas
– como ao passar o Equador. Adeus!
kykelipi, 1969
POEMA DE AVA GARDNER
Cartazes na parede, fotos
do aspecto
de alguém, o contorno
de alguém fixado
pela impressão
e uns pioneses:
um cartaz amarelo
berrante de Ava
Gardner na parede dos anúncios! Mas
tu sabes: Não
é
ela. É tinta.
S, 1978
A CONTRALUZ
O arbusto
canta! (Ou
é
apenas porque pousou
um pardal
na copa do arbusto
que o arbusto
canta?) O arbusto canta!
S, 1978
HOKUSAI, O VELHO MESTRE, QUE PINTOU UMA ONDA COMO NINGUÉM
TINHA PINTADO UMA ONDA ANTES DELE
Hokusai
chegou
quase aos 90. Quando tinha 75
anos, disse
dos seus quadros: Comecei a desenhar
coisas quando tinha
6 anos. Tudo o que consegui fazer
antes dos 50, não vale
nada. Quando cheguei aos 70
ainda não tinha feito
nada
bom. Aos 73 anos
comecei a compreender
as formas básicas
de animais e plantas.
Quando chegue aos 80, terei
compreendido mais, e quando tenha 90
conhecerei
os mistérios da arte
até ao fundo – assim é que quando chegar aos 100
produzirei
coisas
elogiáveis. Para não falar
dos anos
seguintes.
Agora o essencial é
seguir em frente.
sirkel, sirkel, 1979
IMITANDO LAO TSÉ
Trinta raios reunidos num eixo
fazem uma roda – mas é
o cavado que existe no eixo que faz
com que se possa utilizar a roda.
O oleiro vai afeiçoando a argila
até que o cântaro está pronto – mas é
o espaço vazio no seu interior que faz
com que se possa utilizar o cântaro.
Trespassada por portas e janelas
está a casa – mas é a circunstância de
a casa ser oca o que faz
com que a casa se possa utilizar.
Claro que devemos usar
o que existe – mas é
o que não existe o que faz
com que se possa utilizar o que existe.
sirkel, sirkel, 1979
POEMA, JANEIRO 1992
Dizem que a tempestade
que flagelou o noroeste custou
mil milhões.
A quebra bancária do ano passado, sabemos
que custou vinte mil.
Que dizer: os deuses do clima teriam que desencadear
um furacão
a cada três semanas
durante um ano inteiro para poder comparar-se
com as catástrofes causadas pelos banqueiros.
Visita o Rei
as vítimas da banca?
Ikke, 1993
Versão minha - © Amadeu Baptista
Foto © Amadeu Baptista
Jan Erik Vold nasceu em Oslo, no ano de 1939. Estudou Filologia e Literatura em Oslo, Upsala e Santa Bárbara (Califórnia) É poeta e ensaísta. Colaboração estreita com muitos músicos de jazz. É tradutor de William Carlos Williams.
Amigo lindo esses poemas e os seus segnificados adorei.
ResponderEliminarUm abraço
Santa Crtuz