Jacques Offenbach: Can Can
A lógica dos segredos da divina boémia
nem eu nem tu sabemos, às vezes só queremos um pouco mais de sol,
ou esse desatino que à noite, ao luar, vemos passar no fio cintilante
que de súbito atravessa a nossa alma. Muito provavelmente,
o bem que nós queremos, a manifesta alegria que vai de sala em sala
e se propaga aos bastidores, seja só o público contente, um sorriso,
o pouco que se entrevê do corpo quando a dança atinge
o clímax e tudo está feliz. Será verdade
que a crueldade existe e em torno da desgraça
sempre alguém inocente há-de cair, como se o mundo
se recusasse a entender a infinita graça de quem
se movimenta em círculos num campo de alfazema
e mais não pode do que procurar refúgio neste lugar de quase predição. Contudo,
se recuares um pouco e diante do espelho descobrires
o que em cada um de nós já foi sacrificado,
talvez entendas que merecemos assistir ao espectáculo
e da nossa aflição tirar algum proveito, por muito pueril
que isso pareça. Dispensa-nos
pelo menos o benefício que há na dúvida, compreende
como somos precários e o pouco que nos basta
é ainda assim uma espécie de dádiva
que entre o esplendor e a sordidez
alguma estirpe dá e de algum modo salva
do pequeno pecado insinuante
desta música leve.
O Bosque Cintilante, Maia, Cosmoroama, 2008
© de Amadeu Baptista
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