DOIS MIL
Adiro claramente à tua boca luminosa
quando a noite cai e as escavações isolam
o tráfego telefónico, nesse instante
sou contigo uma árvore, um gesto fulminante
na parcimónia das coisas que ao tacto
proliferam debaixo dos lençóis e ampliam
o sussurro dos nomes, a apologia
de algo que é consistente e manso
e vem tocar as imagens dos dias que perdemos.
Adiro à tua fome e à tua fonte, a algo decisivo
que por ti chega de um lugar longínquo,
de um veloz contágio,
desses sinais que nas tuas costas ardem
para que um súbito fulgor nos submeta
à incontingência do vento nas vidraças
que à nossa voz se une e nos resgata
dos trâmites legais e do infortúnio
de haver numa pequena gaveta a inocência
a acenar-nos como um pássaro ferido.
Adiro à tua língua, adiro às tuas coxas,
às grandes nuvens que os teus lábios formam
e com desmesurada violência
secretamente exploras sobre a treva
para que a face fluorescente do amor
jamais se tranquilize e possa tudo
o que pode um incêndio numa cama,
a carícia como uma tempestade,
o sumo que reverte em benefício
de uma paixão translúcida e atónita.
Adiro à agilidade dos teus pés,
dos teus seios, das tuas mãos e sexo,
transfigurando-me em tudo o que imaginas,
breves canais, infusas e fogueiras,
barcos ao longe, ferozes animais,
a rútila nomeação do que se prende
ocultamente aos ombros, à glande,
e confere a este rumor que anda no ar
o grau exemplar em que o nosso sangue ferve.
( in Açougue, Corunha, Espiral Maior, 2009)
Foto: © de Amadeu Baptista
Extraordinariamente bom, este poema!
ResponderEliminarPoema de açougueiro,sim
ResponderEliminarPalavras escritas com a densidade do sentimento, na eloquência das metáforas a explicar o embrenhar do amor...gostei muito!
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