quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Erik Knudsen





POEMAS DE ERIK KNUDSEN





ÂNSIAS

Caminho pelas resplandecentes ruas sob uma luz tropical
    numa noite nórdica
procurando os meus irmãos e as minhas irmãs
a todos os que anseiam na eterna inquietude aflita,
a todos os que sonham à margem do tempo (porque nós não
    que o tempo cure nada)
todos os que pediram gritos de crianças nas suas casas, mas só
    obtiveram silêncio.
Anseio encontrar pessoas que não levem penduradas frases
    reluzentes como colares de pérolas,
pessoas que tartamudeiem e utilizem as palavras mais humildes e no
    entanto tenham emoções como o vento do oeste.
Gostaria de aproximar-me da rapariga que está só na porta
    do cinema para comprar alguma companhia.
Dir-lhe-ia: Dá-me a mão, vamo-nos tu e eu juntos a Paris.

Muitos jovens rapazes têm actrizes de cinema nas suas paredes.
O que por último chega antes de se apagar a luz são brancos peitos e
    enigmáticos sorrisos.

Velhas solteironas falam sem parar pelo telefone para não ouvir a
    solidão nem o judicioso tic-tac do despertador na cómoda.

Os cinemas estão cheios de gente que quer esquecer quem é.
    Quando as luzes se apagam são felizes um segundo.

Há chefes de escritório que de repente têm ganas de tirar o
    pijama e deitar-se nus na cama.

Há velhos que afastam envergonhados o olhar ao tropeçarem com
    uma criança que canta. Há professores que escrevem
    poemas a raparigas que nunca conheceram. Há políticos hipotecam
    o espírito do homem durante o dia e aos que desperta a voz de
    Deus durante a noite.

Todos anseiam por alguma coisa, todos sentem a vida como algo grande dentro
    deles mesmos, um inocente condenado, um preso que faz ruído
    com os seus grilhões.

                Til en ukendt gud, 1947


FAZEMOS UM VISITA?

Fazemos uma visita
ao mercado das ideias
para assegurar um par de opiniões
para o resto da semana?

(Começaram já os grandes saldos.
por quatro coroas
podem-se conseguir verdades de primeira
e maduras convicções.)

Ou sentamo-nos
na esplanada de um café
e afogamos as nossas dúvidas
em duas cervejas bem geladas?

Til en ukendt gud, 1947


A FLOR E A ESPADA

Entramos no bosque? Não, não me atrevo a entrar
Onde crescem as verdes árvores de cobre do sonho
Escuta os pássaros! Não, eu não me atrevo a imaginar
Tons tão puros. A beleza põe-me louco
E a harmonia tilinta cruelmente no meu ouvido

Que quero eu num sombrio delito
Onde o sol aguça as suas brilhantes mentiras
E as flores dificilmente ocultam o seu desprezo?

Adeus trompa de caça, aspérula e água do manancial
Adeus nosso pequeno-almoço na erva

Nos campos ouvem-se gritos e estrépito de armas
Ali fora onde todo o dia é nu
Onde as espadas relampejam, as lanças trançam
A cobertura do céu
Onde ardem as bandeiras, os tambores afugentam
Os pássaros dos seus ninhos

Ali fora onde a aurora da vitória foge
E a negra majestade da derrota
Se mantém firme.

Blomsten og svœerdet, 1949


AMADA! NOSSA VIDA

Amada, devemos construir um templo no nosso coração
Devemos elevar-nos mais alto que as árvores do bosque
Devemos cantar uma canção mais forte
Que o órgão, mais forte que o vento
Mais forte que todas as coisas do mundo.


Este deserto que é a nossa casa
Devemos plantá-lo com flores de esperança
A essas estátuas de sal, nossos irmãos e irmãs
Devemos infundir-lhes o espírito da vida
Ensinar-lhes a chorar, ensinar-lhes a rir.

Como o pássaro abandona a sua sombra
Como a erva reinventa o húmus negro
Vamos vencer o invencível.

Amada, o dia que abre passo
Por campos e casas em chamas
É o último dia e o maior

Convertamo-lo em eternidade.

Blomsten og svœerdet, 1949



TODAVIA NÂO

Fraternidade, justiça
Sim, claro: palavras da calafetação central
Sonho e esperança
Perdemo-las num ai
Como os dentes de ouro e os anéis
Quando nos preparam
Para a câmara de gás

Oh ilusão
Quebradiça como eu
Dá-me a mão, agora somos dois
Vem, vamos chamar os demais
Todavia não alcançou a morte
A vitória definitiva

Brœndpunkt, 1953



OS REPRESENTANTES

Começam o dia a comer ovos
Têm fraqueza pelos filmes do oeste
Fazem colectas para deficientes
Conversam com o príncipe herdeiro
Põe penas de índio no cabelo
Assinam no livro dos convidados
Recomendam coalhada e iogurte
Deitam discurso no dia do rei Valdemar
Relaxam com um bom policial
Cantam cantiguinhas na televisão
Citam mortos famosos
Tomam uma cerveja
Suportam o incrível
Têm tempo para o carnaval e a campanha eleitoral
Vendem queijo danês
Compreendem os E.U.A.
Coroam rainhas de beleza
Recordam os caídos da época da ocupação
Competem saltando sobre balões de plástico
São, no fundo, profundamente religiosos
Acariciam os cães
Reprovam os jovens
que não queiram discutir com argumentos

Babylon marcherer, 1970



BURGUESES DUVITATIVOS
I

Sentes vergonha, estás farto
deste mundo rico branco teu
exploração, racismo, genocídio
«liberdade», «democracia»… tu detestas
tudo isso. Bem. A tua má consciência
é um sinal de vida. Não és um caso perdido
como os imperialistas e
os seus pequenos agentes de olhos cegos. Mas
que estás disposto a fazer com a tua vergonha?
em que a empregas?

II

O teu coração com os rebeldes
Os teus pés num chão rico
Playboy
da Revolução

III

Esquece que nasceste
branco e rico
Era Marx proletário?
Era-o Engels?
Lenine?
Brecht?
Tu também podes fazer alguma coisa
Tu também podes mostrar as tua solidariedade
com os oprimidos e os rebeldes
tens que ajustar contas contigo mesmo
Ttm que ajustar contas com a tua classe:
Deserta

Babylon marcherer, 1970



NA MORTE DE MINHA MÃE

Neste quarto
brincávamos às crianças
com barcos sobre
o chão de linóleo

Agora jazes aí
na tua estreita cama
pequena e pálida
com uma ligadura branca
segurando-te o queixo
E nós estamos
olhando-te
com olhos distantes
e não podemos compreender:
Era o quarto assim pequeno?
Foi o jogo tão breve?

Forsøg pä at gå, 1978


COM BANDEIRAS VERMELHAS NAS BICILETAS

Lá para os finais dos anos trinta
o meu amigo e eu andamos
durante umas férias de verão
pelas estradas dinamarquesas
com bandeiras vermelhas nas bicicletas
para manifestar o nosso carácter rebelde

Mais tarde aprendemos
que o que se rebela
acomoda-se na aparência da sociedade
Trata de ser
corrente
Sabe o que quer
Por isso não usa símbolo algum

O revolucionário é invisível.

Forsøg pä at gå, 1978



PEÇO-VOS COMPREENSÃO

Camaradas, perdoai que vos decepcione
                                   com a minha tagarelice
Sei muito bem o que queria dizer
mas passou-se-me. Eu
Perdi-me, encontro-me num mau
                                   momento
Tratei de concentrar as minhas forças
Mas a minha mulher disse-me: Relaxa
Tu não és Jesus Cristo nem Marx.
Terei pois que viver com essa ideia.

Forsøg pä at gå, 1978



DIA DE ABRIL. PARA LISE

Limpei a sala de estar e
                        tratei dos canteiros
Tu estás a trabalhar no teu livro
Agora estás a cozinhar
M.A. telefonou. Alegra-me
transmitir-te os seus cumprimentos.
Falou do importante que é
dizer uma palavra amável a destempo.


Forsøg pä at gå, 1978





Versão minha - © Amadeu Baptista









Erik Knudsen (1922). Nasceu em Slagelse. Professor universitário. Colaborador da revista Heretica e, depois, da revista socialista Dialog. Participou activamente nos debates das questões nacionais, com posições consequentes de esquerda. O seu tema central é o indivíduo contra a burocracia. Iniciador na Dinamarca da poesia comprometida. Escreveu peças de teatro, libretos e textos para a rádio e a televisão.



Sem comentários:

Enviar um comentário