segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Vida Breve

Está em distribuição o meu novo livro, com a chancela de Labirinto:










Deixo três poemas do livro:



Vi as velhas no hospital Santos Silva a temer
a intervenção cirúrgica com os terços presos
às tessituras finas das camisas de noite.
Vi os velhos estóicos, com as mãos nodosas
sobre os lençóis gastos e a imobilidade nos braços
para que os seus corações não aluíssem.
Vi as mulheres ainda novas a gemer nas camas
por puro terror, e uns quantos rapazes
atrás de biombos, não menos aterrados.
Vi as agulhas dos gráficos a oscilar
e os médicos a medir palpitações adversas.
Vi os boletins clínicos, as lágrimas convulsas,
os comprimidos às cores que eram prescritos
sob a vaporosa leveza que os mortos tecem.





Estive a preparar o fim desde o princípio,
a ânfora a encher-se com dores surdas
enquanto a permanência se ampliava
na extensão da praia da infância
onde, uma a uma, as estrelas se extinguiam
e os mortos paravam nas escadas
por que tinham subido, carregados
de algas, pez e maresia. Neste lençol
deponho as suas feridas, a saber
como são meus os seus gemidos,
as altercações que tiveram com a vida,
os equívocos que os assassinaram
por uma fracção de luz, uma dúvida,
um longínquo rumor intransponível.





O que sobra dos mortos são as pernas
com que calcorrearam as ruas da cidade,
esses pés que não precisam de sapatos.
O que sobra dos mortos são as mãos
com que prenderam entre os dedos
uma carícia, uns cabelos, um par de asas.
O que sobra dos mortos são as bocas
fechadas, que já não podem dizer o que o sossego
lhes havia para sempre interditado.
O que sobra dos mortos são as sombras
que agora os acompanham quando tocam
outras sombras perdidas nos espaços.
O que sobra dos mortos são as mágoas
por nunca mais poderem desejar.


(in Vida Breve, Fafe, Labirinto, 2014) 

 © Amadeu Baptista 





Sem comentários:

Enviar um comentário