POEMAS DE ARVO TURTIAINEN
OS LIVROS
Os livros piedosos ensinam-nos:
Homem, faz-te melhor, melhor
Para que pareças mais com Deus.
Quando os nossos membros cresceram
e já podíamos trabalhar,
puseram-nos a ler um livro de pedra, o Livro da Vida.
Pão era a sua primeira palavra
e cada frase terminava em pão.
Aprendemos a ler aquele livro,
aprendemos a lê-lo bem.
Foi-nos revelado que a superioridade começa
quando o pão cresce; que a bondade termina
quando chega a fome,
e que qualquer se pode acercar de Deus onde
não há que lutar pelo pão.
O livro a vida fala claro.
Das suas palavras alimentam-se os que serão sábios de
verdade
e nos explicam a unidade do Pão e do espírito.
Muutos, 1936
50 GRAUS ABAIXO DE ZERO
Nas noites de janeiro
rangem os dentes das estrelas
ao morder
o pão do frio.
Nas noites de janeiro
navega a lua
como um ataúde
rumo ao seu gélido inferno azul.
Os bosques negros
estremecem.
Congelam as cortinas
da aurora boreal.
Nas noites de janeiro
resplandece
o punhal do frio
na mão da morte.
Palasin kottin, 1944
AGRADAM-ME O PÃO E A CARNE
Agradam-me o pão e a carne,
agrada-me beber vinho e cantar,
agradam-me as crianças e as mulheres bonitas,
agradam-me os velhos e as velhas
bondosos que falam sós.
Agradam-me os juncos e as árvores,
o brilho das águas nas noites de lua,
a sábia conversação dos amigos.
Na realidade eu nasci para o amor,
por isso raramente me vedes
tal como sou.
Minä rakastan,
1955
TRABALHA ENQUANTO VIVAS
Nasces; morrerás.
O que há entre o começo e o fim,
será a tua vida.
E a tua vida serás
tu.
A tua obra será
o que és.
Os que ficarem, dirão
Como foi.
Por isso, não te preocupes:
Bastar-te-á viver
A trabalhar.
Minä rakastan,
1955
EU, CRIANÇA DA RUA
I
Quando nasci escreveu um poeta
sobre o mundo:
Tão
estrepitosamente como os pinheiros
caem as
antigas convicções.
Vamos
afogar-nos no fel do outono
ou viver
entre as flores do verão?
Não sei. Eu
simplesmente vejo
como mudou
o mundo
sob
lamentos, ruinas e tempestades.
Aguentá-lo-eis,
povos?
Nasci num mundo de guerra
II
Quando tinha dez anos
vi o czar
passou num
automóvel pela rua Esplanadi
e nós
estávamos à esquina do restaurante Capilla
agitando
bandeiras
que o
professor tinha distribuído
Tínhamos que gritar viva viva viva
mas ninguém
gritava
o czar ia
de pé no automóvel descapotável
era muito
pequeno
e tinha o
nariz algo azulado pelo frio
III
Quando tinha catorze anos
um guarda
vermelho ferido na cabeça esteve
toda a
tarde, e noite, até ao meio-dia seguinte
morrendo
entre estertores sob a nossa janela
na rua
Korkeavuorenkatu.
Não sabia
nada deste mundo, nem sequer
que tinham
tomado Helsínquia
havia já
vinte e quatro horas. Quando por fim morreu
o papá
guardou as suas coisas:
uma
carteira com doze marcos, um relógio de bolso
com uma
medalha na corrente com a inscrição:
III Prémio.
Campeonato de Luta, União Operária.
No verão chegou uma mulher
para recolher as suas coisas,
disse:
Paavo teve colhões.
IV
Quando tinha quarenta anos
voltamos a estar em guerra, três guerras tinham-me passado
por cima e tinha lido sobre outras trinta.
Com os que morreram nelas
podiam-se ter formado dez nações,
todas do tamanho da Finlândia.
Teriam trabalhado,
arando, semeando, segando,
construído estradas, cidades, fábricas;
teriam celebrado aniversários,
teriam ido de férias no verão,
muitos teriam lido poesia, alguém
teria escrito sobre tudo isto
V
Quando escrevi isto
Nos cinquenta e oito anos do meu nascimento
Recordei as palavras do poeta:
Vamos afogar-nos no fel do outono
ou viver
entre as flores do verão?
Não sei. Eu
simplesmente vejo
como mudou
o mundo
sob
lamentos, ruinas e tempestades.
Aguentá-lo-eis,
povos?
VI
Que rápido se levantam casas nos bairros novos,
que rápido deixam as crianças o lar e se vão,
que rápido desaparecem os velhos atrás das cortinas
e ficam vazias as janelas.
Que rápido tantos
novos cemitérios
VII
Contemplava o meu umbigo
brotaram dele umas bandeirinhas vermelhas
atirei-as para a rua
para que as pessoas as agitassem alegremente
continuei a contemplar o meu umbigo
brotou uma rosa, uma rosa
Que me entrou pelo ouvido
e me lavou os miolos
VIII
Deixei crescer a barba
é uma barba muito estranha
cor de líquen
falo atrás da minha barba
digo o que me dá na
gana
todos a olham com respeito
dizem
que barba tão sábia
IX
Sente-se numa tarde azul de abril:
as torres estremecem, um tremor corre
dos pináculos até à rocha, até às raízes
da pedra, do cimento, da terra,
sente-se no ar, na respiração ofegante dos homens.
Todos queriam fazer algo impossível:
Porem-se em pé de um salto, erguidos como torres,
entrelaçar-se uns com os outros como as ruas
ou as árvores na penumbra, entregar-se
como a tarde ao falo do farol.
Quem não quereria, perguntai ao vosso coração,
quem não
quereria foder uma vez em abril.
Minä paljasjalkainen, 1962
Arvo Turtiainen (1904-1980). Nasceu em Helsínquia. Estudou
na Escola de Estudos Sociais; foi ajudante de dentista, jornalista e tradutor.
Pertenceu ao grupo esquerdista Kiila (A cunha). Nos seus primeiros livros
reflectiu sobre os conflitos sociais da época e nos seguintes sobre a sua
experiência na prisão. Apaixonado pela cidade, incorporou nos seus poemas a
linguagem das ruas de Helsínquia e o jargão da capital.
Sem comentários:
Enviar um comentário