Poemas de Werner Aspenström
CARTA DE NEVE
Envio-te uma carta a ti agora
irmã da varanda azul
uma carta escrita em neve
com resposta às tuas muitas
perguntas.
Um cavalo e um ginete de neve
levá-la-ão até à tua porta.
É verdade que a planície é dolorosamente livre
e que o rei se mostra implacável no seu silêncio.
Dá-me uma montanha e um eco, diz a voz
um suave horizonte estão a pedir os olhos.
A tua preocupação, irmã, é no entanto excessiva:
nestes campos podem erguer-se torres de pássaros
e brancas pombas podem cruzar a névoa da noite
as recordações construir os seus abrigos os sonhos
acender os faróis.
É certo o que perguntas sobre o vento.
Frequentemente alguns equívocos nos convidava a sair
alguém ouvia passos alguém vozes.
Era sempre o mesmo vento cortante
que misturava neve com neve.
Por isso o dia pode ser longo mas os que esperam
esperaram sempre juntos
os despertos compartilham a sua vigília os adormecidos
nomeiam-se no seu sonho.
Há evidentemente calor entre nós
ainda que nos tenhamos convertido em homens de neve
uma fogueira para que estendemos as nossas mãos
ainda que não arda com chamas.
Os que viveram muito tempo sob abóbadas de gelo
podem ser trespassados por um amor desconhecido
um imenso coral que os finos tubos do órgão do sangue
não os deixará ouvir nunca.
Escrevo-te uma carta a ti
irmã da varanda azul
umas letras dizendo-te que penso
ficar
Que talvez não regresse nunca.
Bebi um vinho de neve
amo uma mulher de neve.
De neve são o ginete e o cavalo
que agora te levam a carta até à
tua porta.
Snölegend, 1949
O ELEFANTE
Os cartazes. Os cartazes.
Os ardentes olhos.
Os ardentes olhos.
As perguntas. As perguntas.
Em cada esquina.
Jesus chegará em brev, estás preparado?
Não.
Adornado com plumas,
à luz dos focos
na cerca aqui perto, fuma o elefante
o cigarrinho da serena loucura.
Trappan, 1964
A CABRA
A cabra cega das Tulherias
puxa um carrinho.
No carinho meninos endomingados
cavaleiritos franceses, daminhas francesas.
Num banco um senhor idoso de chapéu.
Um livro aberto:
«Reflexões introdutórias à história»
Um poeta sueco contempla o homem que lê
e é por sua vez contemplado por uma estátua.
O carrinho desaparece pela direita da fonte
e volta pela esquerda da fonte,
cuja coluna de água se inclina ao vento
sem colapsar.
Paz com a Rússia!
O plano de Napoleão era forçar a Rússia à paz
com um «um só raio»,
500.000 homens não regressaram jamais.
O general Joffre «cuidava dos seus homens».
700.000 soldados que estiveram nas trincheiras do Somme
desejam falar com o general Joffre,
o que «cuidava dos seus homens».
O leitor vira uma página.
Os castanheiros que o rodeiam encarquilham as suas folhas,
já que é essa época do ano
em que os castanheiros encarquilham as suas folhas.
Uma cabra cega caminha pelas Tulherias.
Vai a puxar um carrinho.
Trappan, 1964
O LIBERTADOR VIVE
No lugar livre que deixou o Pai
aparcou um Mercedes.
O vazio da Mãe na cozinha
ocupa-a um congelador.
Cadeirões giratórios substituem
a Irmãos e Irmãs.
O tapete:
erva.
A luz da lâmpada de leitura ilumina
mais adequadamente que a do Sol.
A voz gritada da Rádio silencia as Vozes.
A televisão mostra imagens do Mundo.
Por fim livre.
O teu umbigo é uma ferida cicatrizada.
Under tiden, 1972
NA ESQUINA, A CAMINHO DOS CORREIOS
Desligou o ferro?
A ela acontece-lhe esquecer-se.
Fechou bem a torneira da água?
Nisso é bastante descuidada.
Escreveu a carta?
Pagou a renda?
À esquina,
o caminho dos Correios,
parece-lhe um trigal,
ela crê ver claramente a saudação das espigas.
Percorre-a com o olhar,
mói-a com a sua ânsia,
amassa na sua cabeça um grande pão
e come-o lentamente.
Depois entra e paga o aluguer.
Ordbok, 1976
AMOR
Ela perguntava-se se podia acariciar o defunto.
A enfermeira respondeu-lhe que sim, que podia.
Não se envenena alguém de cadáver?
Não, não se envenena.
Tinham estado a ver uma reposição na televisão,
ele tinha dado uma profunda inspiração
então tinha…
acontecido.
O ideal seria que os dois nos fôssemos juntos
tinham dito muitas vezes.
Agora ficava ali só
como uma fatia de pão esquecida na torradeira.
A senhora, enfermeira, entende-me?
Entendo-a.
Talvez pudesse lavar-me a mão depois?
Claro que podia.
Mas não é necessário realmente?
Não, não é necessário.
Então vou acariciar, sim, o defunto.
Sorl, 1983
LEOPARDO DAS NEVES
O rastro do leopardo das neves leva sempre a uma gruta.
Na gruta está sempre um homem santo a murmurar
«Isto não é isto»
O monte Chomolungma pode ser outro monte.
Até entre nós, em alturas mais modestas,
o sol cega com a sua obra de dia
e a lua luta com o seu resplendor de noite.
A cidade é talvez outra cidade.
Do que eu preciso não é um leopardo das neves
Mas de um cão pastor que mantenha o limite aos meus
fantasmas,
um sólido gradeamento em volta de algo incontestável:
«Isto é isto»
Assim fosse a mais pequena das montanhas,
um grão de silício.
Sorl, 1983
PODES
DIZER-MO?
Se
Deus está em toda a parte
e
tudo repousa em Deus…
Se
a borboleta diurna esvoaça
numa
luz divina
e a
borboleta nocturna voa às cegas
na
divina escuridão,
se
o hipopótamo se rebola
num
barro divino…
Por
que se aferra o preguiçoso
com
tão convulsa firmeza
ao
ramo propriedade de Deus
na
árvore enraizada em Deus…
Podes
dizer-mo?
Se
o nada é tudo
e
tudo está no nada…
Sim,
como Leonardo nos ensina,
fluem
forças,
surgem
obstáculos,
emergem
redemoinhos,
e
esses redemoinhos do rio Arno
ou
os prismas da alma
dançam
apenas o seu tempo
e
logo se apagam…
Por
que imita Leonardo
aos
pássaros do nada
na
Toscana?
Por
que sonham as pedras do Arno
com
soltar amarras e navegar
até
um porto inexistente?
Podes
dizer-mo?
Sorl, 1983
PRATA
Com
o meu cão de caça
que
era um gato,
e a
minha espingarda,
uma
escada,
saí
para
reconquistar
aos
corvos
as
bagatelas de prata da minha infância.
Varelser 1988
O
CARACOL
Apesar
do seu escasso talento para dançar em pontas
e a
sua natureza geralmente viscosa
o
caracol sonha, também o caracol sonha
em
participar em obras deslumbrantes
que
suspendam a lai da gravidade
– como o pássaro de fogo.
Quem
entre os seres vivos quer cada instante do dia
estar
onde está, ser quem é?
Até
a lua, que no entanto consideramos morta,
se
sente incomodada pelo sonho de chegar a conhecer aqueles
cujas
torres e praças e baías ilumina
e
uma noite às três desce aqui abaixo
– e
encontra-se com todos o que desapareceram.
passeia
pelos cais e ruas principais,
procura
nas ruas em volta a Igreja Alemã,
olha
através das frinchas das cortinas…
Aqui
não estão! Aonde?
Muito
longe. À deriva, em brancas jangadas de almofadões,
Esparramadas
numas águas maiores
Que
o pequeno mar Báltico…
Até
que amanheça e o dever os volte a chamar
e
se metam nas suas apertadas roupas de trabalho
e
os seus sapatos de borracha aderente
e o
sol obrigue o sol a retroceder
até
à invisibilidade…
e
além no campo, no jardim,
o
caracol arrasta-se no sue esconderijo sob os ruibarbos
para
com as suas antenas se adestrar
e
se habilitar com as suas ânsias de ingravidez.
Varelser 1988
Versão minha - © Amadeu Baptista
Werner Aspenström (1918-1997). Nasceu em Norrbärke.
(província da Dalecarlia). Teve várias profissões enats de se licenciar em
Filosofia e Letras em 1945. É uma das figuras da «geração dos 40». Escreveu
ensaio, conto e númerosas peças teatrias num acto, e também crítica literária.
Traduziu Maiakovski e vários poetas húngaros para a sua língua, o sueco. Em
1981 foi eleito para a Academia Sueca, que abandonou em 1989.
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