segunda-feira, 10 de março de 2014

CINCO SALTOS COM OS SURREALISTAS # 5



GIORGIO DI CHIRICO: CANÇÃO DO AMOR

é verdade que uma névoa nos cobre os olhos
quando, ao fim da tarde, distinguimos nas coisas
invisíveis os nossos mistérios maiores e mais profundos,
sobretudo se as estátuas são brancas e o silêncio

chega da ordem sobrenatural do mundo, meu amor.
é também verdade que o céu vívido e azul
nos entrega às promessas de tudo quanto queremos
e a morte nunca é residual, sobretudo se as nossas mãos

se apertam e há um aroma etéreo a esfumar-se
sobre as nossas cabeças e os nossos corações
se apaziguam de vez, mesmo sob a ameaça do terror,
mesmo sob a fantasmagoria que sitia as nossas vidas.

é verdade que o amor é uma esfera, um edifício
em chamas, um arco voltaico, uma luva que se vai liquefazer
e que vem de muito longe o pó que aqui repousa,

nesta cidade suicida e ausente, meu amor.

in A Ideia - revista de cultura libertária, nº. 71/2, Évora, Nov. de 2013)
© do poema: Amadeu Baptista

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