quinta-feira, 13 de março de 2014

Eila Kivikkaho



                                               POEMAS DE EILA KIVIKKAHO


MULHER

Se fosse uma árvore
arrancaria as minhas raízes
de sob a tua janela.
Sou uma mulher. Esperar-te-ei
sob a tua janela.

Niityltä pois, 1951



FORA DO PRADO

Borboletas azuis, olhos de crianças,
procuram a doce flor do ranúnculo.

Mas as escadas dos anos
conduzem-nos para fora do prado
e os nossos olhos têm que se acostumar a outras flores,
linhas em que pensamento se retorce
antes de se converter em destino.

Niityltä pois, 1951



SÓ UMA GAZE

Boas noites
num quarto escuro
como que escavado em carvão.

A noite é cinzenta,
lá há luz,
ainda que seja apenas uma gaze.
Só o quarto é escuro, mais escuro que a noite.

Nem sequer a minha melancolia é uma imagem da vida.
Lá há alegria
ainda que seja só um velo.
Contigo delimitei o meu pensamento
e olha, tudo é melhor na vida
que em mim.

Niityltä pois, 1951



GOSTARIA

I
Gostaria de me sentar no cais
quando o lago está
só e escurece,
quando o vento acalma
e ascende a névoa.
Gostaria de me sentar no cais,
a casa cheio de risos, deslumbrante.

Levanta-te névoa e envolve a casa,
os seus duros sons, o resplendor das suas lâmpadas.
Gostaria de me sentar no cais
até que a noite esteja calma.


II


Dá-me uma passagem suave,
noite que contemplo,
noite que frui.
O orvalho chega silencioso
e a névoa e a manhã.

Uma só passagem suave!
Escondo-a e levo-me

da vida à morte.
Não ao passado, não ao futuro ~
nem sequer de mim a ti.

Niityltä pois, 1951


NA NOITE

Ouço – como não ouvi-lo –:
o pássaro, o pássaro dos pássaros.
Árvore e erva querem dormir.
Acende-se uma estrela, desperta o coração
e canta o pássaro dos pássaros.

Niityltä pois, 1951



RECORDAÇÃO

As palavras não podiam mover montanhas,
as palavras não serviam sequer para abrir uma porta.

Mas quando te foste
salvei-as metendo-as no calor
como passarinhos desvanecidos ao bater contra a janela.

E nunca se cansam de cantar.
E sempre as estou a escutar.

Niityltä pois, 1951


OCULTAR O MAIS ÍNTIMO
Como um insecto imóvel na ramagem
quero imitar algo que ninguém
procure, veja, persiga.  

Venelaulu, 1952


CÂNTAROS

Eu não dependo
mais de fragmentos.
Deram-me uma felicidade inteira.
O que guardo no vaso?
– Os fragmentos do velho cântaro.

Venelaulu, 1952


O BANDO

As aves migratórias voam em cunha
quando partem,
quando começas a viagem.

À chegada
desfaz-se o bando.

Parvi, 1961

COM MUITA CONVERSA

Com muita conversa calo o que calo,
mas as pausas falam,
e a cicuta, as ervas venenosas.

O que não fale
é o espinho mais veneno
que pode crescer na esquina de qualquer tugúrio.

Parvi, 1961


OS PODERES

O calcanhar ferrado
aniquila a açucena ardente
fazendo-a seu escudo.
Parvi, 1961


CRIANÇAS

Arrancaram asas de moscas
porque não eram
asas de borboleta,
asas de borboleta
porque não eram
asas de anjo.

Parvi, 1961

SOBRE A MATÉRIA PRIMA

Até a palavra
impronunciada
devasta
 o bloco de silêncio.

Parvi, 1961



VISÃO

Sem se demorar nos sóis
sem se deter junto às estrelas
acendeu-se uma luz na noite
nas pontas dos dedos
do cego.
Parvi, 1961


ESBOÇO A CARVÃO

O carvão enche o papel
de imagens da sua árvore queimada

milhares de folhas
sombras de folhas

vês?,
assim era verde!


Runojai, 1961-1975


Versão minha - © Amadeu Baptista






Eila Kivikkaho. Nasceu em Sortavala. Trabalhou como empregada de escritório até 1947. Depois, dedicou-se completamente à literatura. Tradutora de literatura infanto-juvenil.

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