POEMAS DE JENS AUGUST SCHADE
MULHER
De ouro e fogo é a festa do meu pensamento
por que há medo no teu coração?
atrás dos teus seios crescem flores
cheiras a maçãs e eternidade.
Den levende violin, 1926
O MEU JOVEM AMOR
O meu jovem amor deixou-me só não recordamos
como
como um barco deslizando para um horizonte azul
como uma nota que vai morrendo assim desapareceu ela
e o sonho abateu-se sobre mim e a terra fez-se distante
como um harmonioso globo de prata
mas apareceste-me em sonhos
a tua voz uma chuva refrescante
a tua boca uma fruta madura para ser comida
feita para um homem esfomeado
lembro-te triste e consoladoramente como uma canção
de pássaros e árvores
existem mulheres que amam a um homem
da mesma maneira que comem uma iguaria ansiada…
Den levende violin, 1926
A MINHA CANÇÃO
A minha canção sussurra na chaminé
a minha canção está em todas as partes
vagabundeia nocturnamente
tem ligações com as sombras
uiva pelos cantos da casa
e encontra-te como uma imagem
inesquecível do teu espírito nómada
as noites são um torvelinho de neve
o frio chora
o silêncio beija
a minha canção corre pelos caminhos
os postes telegráficos sabem-no
prodigalizam canções de amantes
o clima é meu
somos um
as noites de tempestade
o nosso amor é grande
múltiplas são as nossas carícias
e deliciosas oferendas
o mar tempestuoso
é um eco do meu sangue em ebulição
a minha mulher é ardente
e entrega-se
como a minha canção
Den levende violin, 1926
NO CAFÉ
Uma formosa canção
um pequeno milagre gracioso,
destila o fonógrafo
enquanto eu estou calado.
E perante o assombro de todos
tiro a cadeira de debaixo de mim
e fico-me sentado no vazio.
Diante de mim está uma rapariga
de dentes feios
e olhar esquivo.
Está calada
– Os dois sabemos
o que sente um no interior do outro
e com força de leões beijam-se as nossas almas.
Ela eleva-se pelo ar
e eu também,
suspensos sobre as mesas
fazemo-nos amigos.
E acompanhados de estrondo e aplausos
por cima do milagre da canção
entrelaçamo-nos
e saímos do café a girar em carrossel.
Hjerte-Bogen, 1930
DEUS CHEGOU Á CIDADE
Fragmento
É porque estou na Dinamarca que tenho o aspecto que tenho.
É o trajecto da minha lua por cima da Dinamarca que faz
resplandecer assim o meu rosto!
É o mau amor pela lua que faz que eu dê luz aos seus raios,
é o meu amor pelo amor o que faz que eu escreva poemas sobre ele!
É a minha nostalgia infinita de outras latitudes que faz que o meu coração
estremeça de alegria por ter nascido aqui onde nasci!
É a força em tensão do meu claro espírito o que faz que possa
imaginar o globo terrestre e manter-me em equilíbrio sobre ele!
É o poder que sobre mim tem o meu globo o que faz que eu o domine
– e muito mais do que isso.
_ _ _
Nada me é mais fácil do que mantê-lo abraçado à planta dos meus pés
e de o abandonar de um salto – e para ele, por sua vez, de juntar-se comigo
de um salto para abraçar-se estreitamente a mim –
escutai, como oscila a rua quando caminho por ela!
Não pode prescindir de mim e abraça-se a um dos meus pés tão prontamente
quanto me distancio com o outro!
Oh, isso é o delicioso da terra, que ama os seus filhos e não os deixa
afastar-se dela –
amo-a, porque tem uma cabeça dentro da que em que me encontro –
e essa cabeça parece-se com a minha a julgar pelo que se vê no espelho!
_ _ _
É porque nasci na Dinamarca que tenho o aspecto
que tenho – não poderia ser de outro modo,
é porque nasci na Dinamarca que a minha mãe me mandou
pelo mundo para que modestamente o olho e fale dele como
poeta!
É porque nasci na Dinamarca que escrevi o que escrevo os poemas
que escrevo! Não poderia ser de outro modo!
Jordens ansigt, 1932
NEVE
Olha, por fim chegou a neve,
e eu que acreditava que não íamos ter neve,
e agora parece realmente que vamos ter
uma considerável quantidade de neve
sem que passemos a vida pensando na neve,
sem que caia um floco.
Também o ar tem neve dentro,
está como que carregado de neve,
talvez haja uma grande tempestade de neve ao longe,
é como se alguém a sentisse dentro de si mesmo,
sem na realidade nada saber,
excepto que vem e então a poderá ver.
Estive o tempo todo à espera da neve,
é divertido que tenha chegado.
Sim, agora está ali mesmo
olha-a, que branca que é,
como esta neve me faz feliz,
eu acreditei todo o tempo, realmente, que ia chegar.
E então ela aparece de repente
é divertido que venha assim, inopinadamente,
sem que faça nada para o conseguir,
eu não sei se a arrebatou o ar,
veio assim por sua conta.
Kœllingedigte, 1944
NO CINEMA
Nós, dois delinquentes que gostam de ir ao cinema
enquanto milhares de pessoas trabalham com gás e marmelada
e coisas curiosas como formulários de declaração de impostos e outros,
sentimo-nos à vez como gangsters e reis,
quebrando, dessa maneira, as regras do mundo,
ali sentados soprando-nos mutuamente nos ouvidos e fazendo coisas
estúpidas
no cinema, olhamos as imagens
e toco-te as pernas debaixo do vestido,
pões a mão no meu braço e olhas romanticamente o tecto do salão
enquanto as imagens vão passando e se tornam estranhas,
ágis no corpo, e fazem outras coisas,
enquanto o mundo se arrasta ali em cima no cenário,
fechamos os olhos e pensamos noutras coisas, enquanto se beijam
um contido beijo de cinematográfico ali em cima, que nos afecta
profundamente pela sua inocência, também pela sua alma pura,
porque é ficção. É absolutamente falso
pagam-lhes para aquilo, ganham dinheiro daquela maneira,
enquanto nós estamos sentados e folgamos e o fazemos
de verdade,
nesse sentido somos delinquentes num mundo atarefado, uns beijos
mecânicos
propiciam-nos a grande inspiração
para um espectáculo autêntico em casa no nosso
pequeno teatro selvagem.
Helvede opløser sig, 1953
UM MORANGO
A misteriosa sensação secreta
de sentir um morango na boca
nunca se poderá comprar com dinheiro.
Não se conhece a razão
mas um morango fazer com que a alma
se ponha de vermelho vivo, até ao fundo.
Este morango, deram-mo esta manhã,
faz-me tão faliz
que ouvi o espaço celeste falar
a coisa mais deliciosa que saboreei.
Schades højsang, 1958
Versão minha - © Amadeu Baptista
Jens August Schade, nasceu em Skive, em 1903. Fez breves estudos universitários, entra vida de grande boémia. O seu livro de estreia é de 1925. É um dos renovadores da poesia dinamarquesa do séc. XX. Além de uma abundante obra poética, escreveu romance e peça de teatro que indignaram a burguesia pelo seu conteúdo erótico. Faleceu em 1979.