quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Vida adulta / 32

DOIS MIL E SEIS

Quando escrevemos poesia escrevemos o idioma
das crianças que não falam, o idioma
que as crianças que ainda não aprenderam a falar
trocam entre si, no silêncio intransmissível
do melhor da infância. Quando escrevemos poesia escrevemos
algo mais profundo que a emoção ou a memória,
porque da ausência de emoção e de memória
há-de sempre tratar a poesia, por mais novelos
de emoções e de memórias que se descubram
na linguagem atroz, na linguagem
sempre insuficiente. A minha arte poética,
aquela onde empreendo uma efémera tentativa
para renascer pelo conhecimento, não pode ser
senão essa fragilidade perante o que é real mas não tem nome, o que é real
mas só a uma música desconhecida corresponde
na impaciência de estar e não saber falar. Por isso,
o meu nome é esta cintilação obscura onde uma criança se oculta,
esta paisagem de instantes onde persigo a luz.


( in Açougue, Corunha, Espiral Maior, 2009)
 
 

Foto: © de Amadeu Baptista

3 comentários:

  1. simplesmente divino!
    Estou sintónica, nessa perspectiva do renascer pelo conhecimento!

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  2. Ao encontro da infância, tal a protejo, e da poesia, como a procuro e a respiro nos poetas de quem gosto!

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  3. "só a música desconhecida corresponde na impaciência de estar e não saber falar."
    Esta bateu!
    Beijinhos.

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