Poemas de Olaf Bull
Não se percebe sob este céu azulado
nem a menor respiração do seu peito.
Esse ar que uma vez com as suas suaves brisas
ascendia e descendia na recatada elevação do peito,
que brincava com ternura na doce curva do pescoço,
esse, ondeia agora em vão sobre o desejo da terra –!
Olha, as andorinhas sobem bailando, bailando descem –
e os meus pensamentos regressam a tempos passados,
quando ela também
chamava andorinhas às andorinhas
e felizmente desfrutava chamando azul ao ar!
Escuta o rumor da primavera sobre as alturas do mundo!
Os campos reverdecem com vigor, até o quê, até o quê?
O júbilo dos rebentos não chega aos seus olhos
que já ninguém encontrará, por muito que os bosques, –
os mesmos abetos sussurram nos deliciosos lugares, –
onde ela, com o seu eterno encanto, os enchia de assombro –
– –
– –
Nada mudou. Longínquo e vulnerável chega das fábricas
o som dos enérgicos sons de um dia normal –
não há coisa mais certa neste mundo
que isso, o que se converte em pó sob a tampa do ataúde!
Mas os campos reverdecem e o céu grita e azulece
como se o fragor e o azul quisessem tirar-te da tumba –
aromas que fluem de milhares de resplandecentes folhas,
lilases atrás da vala ao longo do passeio primaveril
longe, muito longe brilha o teu amado mar!
Hoje era um dia para ti, para ti meu amor, ali em cima,
onde o silêncio repousa em melancólicas rosas e plantas!
Ai, como amavas as tempestades no cume do teu jardim
e o alado relâmpago dos painhos pelos caminhos primaveris!
Ai, se eu pudesse, se somente pudesse esquecer –
e impulsionar-me a subir loucamente uma vez mais
aquelas escadas e
perguntar se tu estavas em casa –
com fé nisso mesmo, e voz alegre voz e emocionada – –
– – – –
No cemitério do Salvador soam tons dominicais –
–
Digte, 1909
A
PEDRA
Eu
estava na mais extrema eternidade,
atrás
do incêndio do horizonte visível –
então
sucedeu que alguém avançou para mim
sobre
a bordadura de uma estrela desconhecida.
Alguém
que se inclinava para diante e sorria
atrás
de um véu, que lhe envolvia a cabeça,
e
segurava uma pedra numa das suas garras
e
sussurrava fria e suavemente:
«Deixo
cair uma pedra na órbita do céu,
a
pedra dourada, que agora te mostro;
no
instante seguinte desaparecerá;
e
nunca mais cessará de cair.
Entendes,
miserável, o que faço?
Solto
uma pedra em queda na tua alma,
semeio
no teu ser desassossego,
uma
inquietação que nunca morrerá.
Como
quer que te queimes na morada da luz,
No
amor de mulheres, entre arbustos de branco primaveril –
A
pedra que ao mesmo tempo cai, cai
Nas
trevas do destino, tens que lembrá-la – – –
* * *
E a
imagem partiu-se, e eu afoguei-me,
afoguei-me
minha cama – acordei a suar;
em
ondas de gélido orvalho de estrelas
pulsava
o meu coração, golpe a golpe –
Mas
o sonho prosseguiu na noite do meu coração;
da
juventude à idade madura
tentou
em vão a milha alma colher
a
pedra que cai incessantemente –
– –
– – –
– – –
Digte, 1909
CLARA
EUGENIE
E o
pastor levantou a sua mão branca,
e
deixou deslizar com melancolia *
uma
onda de água bendita sobre o cabelo da menina.
«Baptizo-te
com o o nome de Clara Eugenie!»
Mas
nos olhos da mãe havia lágrimas
que
baptizavam esta promessa de vida
com
maior solenidade que a da força do pastor
no
seu trabalho junto à pia baptismal de mármore!
* * *
A
segunda vez que o pastor levantou a mão,
a
pequena Clara Eugenie ia de branco – – –
e
as suas palavras nítidas de jovem rapariga
voaram
tímidas e nítidas pelo coro da igreja.
E a
mãe sonhava, com a face voltada
para
o arco do frio muro da igreja,
em
algo longínquo e luminoso que antes tinha ocorrido
em
anos sorridentes, na verde natureza – –
Como
se ela, jovem e vestida de branco, passa-se
diante
da sua própria filha. Clara Eugenie,
para
logo seguir caminho junto ao rio do prado,
só,
até um mar distante e desconhecido – –
Nesse
instante o sol entrou na igreja, resplandecente,
e a
Mãe sussurrou, agitada e com pesar:
«Perdoa-me,
filha, se foi egoísmo,
por
tu seres jovem, eu mesma fui jovem.»
* * *
E o
pastor levantou a mão pela última vez
a
sua mão branca com palavras firmes, puras –
mas
o que fluía para o chão escuro
não
era água bendita, mas terra bendita!
E a
mãe tremia como um animal, sofria
ao
ouvir cair a terra, punhado após punhado –
mas
de longe, dois metros abaixo do jardim do claustro
levantou-se
a voz da terra, agitada e entrecortada:
«Clara
Eugenie, filha minha –
regressaste
enfim à grande totalidade!
Floresce
na oculta primavera,
nos
verdes prados, em árvores
e
nuvens felizes, no limpo azul do céu,
em
formas mais eternas para os teus queridos – – – !
Nye Digte, 1913
IMPOTÊNCIA
Não
batas com a cara contra a porta da morte –
Um
mundo de terra
são
todos os nossos mortos!
Sabes
que agora as formas livres do seu corpo
transbordantes
de estrelas e mar e sol,
são
agora uma terra
vazia
cinzenta
feita
de angústia!
E
sobre tudo aquilo
um
cerro ermo
com
flores débeis,
através
de cujo perfume
uma
borboleta viva
estende
as suas asas ansiosas de vida.
E
tu o sentes claramente,
quando
divisas o bicho
a
beber de um céu desalmado,
resplandecente,
vazio, com seus olhares:
Isto, isto é a vida – –
E
ela, tua única amiga,
cujos
intensos olhos te reflectem
a
ti, ao teu amor,
ali
na profundidade do mundo
é
uma matéria cegamente atraiçoada –
Só uma
parte dessa fé,
terra
verde e muda
fazia
com que o pequeno insecto
batesse
as asas da sua dança vital
e
frequentemente descansasse da sua fadiga.
– – – – –
Não
armes escândalo contra a porta da morte.
Isso
já o sabias:
Um
mundo de terra
são
todos os nossos mortos.
Levanta-te
do verdor e põe-te em pé.
O
sol pôs-se, a noite levanta-se azul
contra
as portas de bronze da morte.
Chora
as tuas lágrimas, diz as tuas palavras –
palavra
por palavra
és
só tu o que ouves:
«Dorme
docemente
o
sonho da terra
na
noite da tumba,
onde
nunca há sol –,
ali
onde o teu contorno pouco a pouco
cede
à obscuridade do mundo –
Viva
e paz eterna
que
não se conhece a si mesma
e
por isso é a paz mais profunda.
Adeus
– oh tu – adeus
no
jardim da tarde!
Encontrar-nos-emos
na pá,
que
é lançada na tumba do futuro.»
Digte og novelles, 1916
MÉTOPA
A ti quero embutir-te docemente ritmos.
A
ti quero conservar-te profunda e duradouramente
no
eterno e jovem alabastro do poema!
A
ti sonhadora emocionada pelo sol! Com a juvenil
face
voltada para o ouro pálido da tarde,
ficas
suavemente um céu após outro,
luminoso
e terno e enigmático!
Com
gosto daria todos os versos do meu mundo,
se
tivesse sido capaz de uma só coisa: talhar
na
obstinada pedra da memória uma suave métopa
sobre
o delicado e doce contorno da tua alma!
Caminhamos
pela areia húmida da maresia! Tu escutas
os
airosos salpicos das ondas do mar estival!
Sentimos
piedosamente que o silêncio da tarde
traslada
cada vez mais longe a sua fronteira sonora!
Ressoam
sons apagados que retrocedem deslizando
atrás
de bosquezinhos avermelhados, douradas agulhas de igrejas –
e
as luminosas ondas de ar afundam-se debilmente
como
torrentes de sol das montanhas que permanecem.
Azulecem
as colinas. As estrelas estão próximas!
As
últimas nuvens apressam-se a chegar a casa ao entardecer!
O
prado afunda-se na oração –! da maré do ar levanta-se
Arcturus!
Suavemente, detrás do muro de granito cinzento,
sopra
um vento na prateada pelagem do centeio!
Através
to teu olhar um cálido e profundo suspiro –
no
meio da obscuridade azul o olho pode receber
um
fugaz salpico, um húmido resplendor de mel,
e
sereno pergunto-te:« Em que pensas, meu amor?»
«Penso
em tardes como esta, em que não se permita viver –
em
campos de pousio, que sussurram de trigo, sem
mim!
Em
bagatelas cativantes: Espigas que se quebram,
caminhos
no mar, pálidas velas longínquas,
ondas
que se acercam da praia sem mim!
No
quotidiano, meu amor, que suavemente continua na tumba,
nisso
penso, e em todas as profundas, azuis,
tardes
vindouras aqui no jardim do verão,
sem
a minha alma junto à tua, nisso
penso!
Tudo
isto me enche o olho como uma lágrima,
eu,
só e angustiada e miserável, logo chorarei!
Todas
as coisas que esta tarde são nossas
dentro
de poucos anos ébrios terá chegado o momento,
quando
desaparecerem as névoas e o olhos veja claro!
Oh,
amor, olha que profunda e negra fica a baixa-mar!
Que
estranha ficou o praia, quando se foi a água!
Acaso
estará longe a noite quando nós formos
uma
praia mais feia que esta, abandonados por tudo?
No
entanto é um doce e sagrado milagre,
que
estres prados com o seu trigo e arbustos e árvores
e
montanhas atrás, tão distantes como alcança o olhar,
se
humedeçam tão docemente dos nossos
instantes – –
o
mesmo abeto, que nosso é!
E a
cerca de madeira! O velho carro das ferramentas
jaz
imóvel na erva e firmes se erguem
as
enormes estacas dos feixes junto às sorveiras
e a
vala é verde como antes, como todos os anos!
Oh
meu amor, se a profundidade da tumba o permitisse
eu
ficaria aqui transmudada em prado, como feno,
nesse
abeto, com estrelas dentro, e a montanha,
só
para assim, defender, de outro modo,
o
nosso jardim, e por ele: morrer!
Abraça-me,
meu amor, tem-me assim. Ser abraçada assim
de
repente será o único clarão de esperança, sei-o –
despertar
na minha outra eternidade!»
E
eu, um homem vivo, sinto-me em casa na terra,
um
homem bem determinado, de carne, dos pés à cabeça,
posso,
aturdido e tímido, perceber no meu abraço
algo
que só é olhar e alma e voz,
dissolvido
em dolorosa angústia e pressentimento.
Tu,
solitária! Eu só posso acariciar em silêncio
o
teu perfumado cabelo, a tua mão na minha –
e
assim, frente a frente, estão Pã e Psique
diante
de um mar de trigo, à luz das estrelas.
Metope, 1927
Versão minha - © Amadeu Baptista
Olaf
Bull (1883-1933), nasceu em Oslo. Filho do escritor Jacob Breda Bull. Estudos
universitários de línguas e literatura. Viveu em Roma, Copenhague e Paris. É um
dos grandes líricos noruegueses.