Deixo aqui o poema com que colaborei nesta publicação:
SOBRE O SORTILÉGIO DA PINTURA DE
ÂNGELO DE SOUSA
Após a enxurrada fica a memória
da enxurrada, a mancha de um ramo
espatifado, uma sombra carregada
de cinza, um brilho negro. É quando
a brancura desbota e tudo fica
mais amplamente branco e, da
brancura,
sobram, apenas, cintilações
escuras,
a abundância domada, o refúgio
onde nem uma urna cabe, um osso,
um pressentimento. Então, o que
está
liquidado deixa de permanecer,
embora nos suba à boca e seja
leve gota de sangue, como um
cristal,
um poço, uma grinalda, isso
que radica na dimensão de um rosto
sob a alma e pelo caminhos
nocturnos irradia, se tem nome,
a devastar-nos pelo encantamento
as breves sílabas de um conciso
verso.
Ah, se não tem nome é palavra cega,
um vulto com o fogo da voz a
expandir-se
como barro vermelho.
© Amadeu Baptista
(in '20 Poemas para Ângelo de Sousa', Porto, Modo de Ler, 2014)
Sem comentários:
Enviar um comentário