terça-feira, 4 de junho de 2013

Jóhann Hjálmarsson



POEMAS DE JÓHANN HJÁLMARSSON

TARDE EM BARCELONA

Lá chegam as sombras
verdade de árvores verdes
e sob as palmeiras
António está a pensar
como as sombras são tristes.

O pão branco na mesa
e o vinho na garrafa
são a carne e o sangue
de António o de Granada

Formigas diligentes
anunciam a mensagem
dos homens que encontraram
na terra de Espanha
semente de esperança

Praça da Catalunha
arrulham as pombas
e esqueço no crepúsculo
que são tristes as sombras

Malbikud hjörtu, 1961


O ÁCER

Caem à terra no bosque as folhas do ácer:
palmas vermelhas de deuses com mensagens do céu.
Um homem com um cajado vai pelo estreito caminho.
Alcança-o a carroça do reino dos mortos
com umas poucas almas rumo ao infinito
lá onde o caminho alarga: já escurece.
O ancião coxeia pelo caminho gelado
detém-se, olha para trás. A árvore
sonha noites de inverno e luz azul de lua.
Transcorreu o tempo; nunca tinha estado aqui:
apenas o fugaz instante. Correm os esquilos
com o seu focinho assustado, pele da veleidade.
O ancião tenta procurar nas suas recordações
a sua memória leva-o muito longe deste bosque:
uma nuvem violeta num silêncio eterno.
Olha para trás. O que era o que viu
e onde estão os pássaros que cantavam outrora?
Procura com o seu cajado na chuva de folhas,
a sua alma sobe à árvore. E fala o ácer
com a voz de uma vida esquecida.

Mig hefur dreymt thetta ádur, 1965


CÂNTICO

No final desta tarde penso de outra maneira
porque em mim entrou o cântico da madrepérola.
O anjo do álcool sussurrou-me ao ouvido
como roca que fiasse em negro alcantilado:
Vives como um meteorito entre as estrelas
sem que possas desfazer-te ou cair no vazio.

Desço para a praia entre as margaridas.
Vejo um raio do céu cair sobre o espelho do mar
o amarelo mundo da areia abre as sua corola de pedras
e com o ruído de remos de um ignoto barco
revela-se-me então a solução do cântico,
a promessa do anjo.

Mig hefur dreymt thetta ádur, 1965



TRÊS FACES

Três faces da noite.
Quero ver-te adormecida
sob as laranjeiras.
Tu és o meu medo
que já não teme nada,
o meu grito que desgasta os troncos.
Eu sou o animal e o suave zéfiro.
Sou tudo o que quer alcançar-te,
e absorver-te e banhar-se na tua seiva,
e morrer uma morte viva na tua carne.
Colho-te e transfiro-te para a minha desesperança
e o meu desejo é um criador de mundos.
A minha primeira face é propriedade tua.
A minha segunda face é propriedade tua.
A minha terceira face é propriedade tua.
A minha falta de rosto é o riso da destruição
que faz em pedaços os sorrisos
e não lhe importa a procriação.
Quero estar a teu lado
para dissolver-me na noite
e para acordar com a manhã
num mundo em luta,
a tua voz
encerrada numa árvore rugosa.
Oh, nascimento e luta, breve vida animal.

Nytt lauf, nytt myrkur, 1967



PRAIA CATALÃ

Esta praia tão extensa
aonde leva?
Ouço os peixes
e a areia que se queixa
sob os meus pés.
Caminho pela margem
e as ondas voam sobre o mar
brancas, de peito azul.
Eu quero caminhar por esta praia
até que anoiteça
e quando a noite encher a terra
com aromas de anis
sentar-me-ei
e descansarei um instante
até que o novo dia
chegue pelo areal.
Praia do meu coração e praia da minha alma.
Alguma coisa no ar diáfano
recorda o nascimento
de um menino, redentor
da nossa desesperança
e da insónia
do pinheiros.

Nytt lauf, nytt myrkur, 1967



ILUSÃO

Aqui estás,
imaginação, ilusão.
Tenho-te não te solto.
És-me fiel
ainda que às vezes te faças
esperar
muito.
Por fim vens
a mim
e os teus pretendentes
perdem-te
e choram
em silêncio
ou com rugidos redobrados.

Tenho-te a meu lado
e no teu sorriso vejo
que não partirás,
soprem como soprarem os ventos,
respirem como respirarem as árvores,
e morram como morram os fogos.
Tu vives nas asas das borboletas
e no meu resplandecente desespero
nas ruas de outro país
e no quarto escuro
da dúvida.

Nytt lauf, nytt myrkur, 1967



SALMO

Há alguma coisa que não cresce
alguma coisa nas árvores e na luz do sol
e em todas as colunatas escuras.

Há alguma coisa em todos os nossos peitos,
que não dominamos,
que não pode crescer.

É algo
que não podemos perder.

É a presença de Deus?

A fé?

Nytt lauf, nytt myrkur, 1967




O RIO

Todo o dia estive a tentar
aproximar-me dos livros,
repousando numa cadeira estofada
do salão claro.
Estão nas prateleiras
em ordenadas filas
belamente encadernados.
À vista estão os nomes
famosos, tentadores.
Mas não me levanto
nem vou à biblioteca
nem acolho um livro na mão.
Há um rio caudaloso
entre eles e eu
que chega até ao jardim
com as suas flores, as suas árvores, o seu sol.

Athvarf í himingeimnum, 1973


FUGA

O encontro com a multidão era demasiado para ele.
Voltar a ver as casas,
os automóveis, sentir as calçadas
e ouvir o estrépito,
rodeado de velocidade,
propósitos, deveres.
Encontrava-se num mundo estranho
onde tudo era demasiado familiar
para poder reconciliar-se
com tudo o que era estranho a si.
Era demasiado para ele
voltar a nascer nesse mesmo mundo.
Deu apenas alguns passos.
E assim começou a fuga.

Athvarf í himingeimnum, 1973

  

PRIMAVERA ISLANDESA

Os dias crescem. Deixou de fazer frio.
O sol e a calma sobem
à montanha coberta de gelo
recordação do inverno;
nas nossas veias derrete-se o passado:
testemunho da noite
e do gelo, esta estação inicial
e interminável. A terra com a sua cruz
que temos feito
com a nossa conveniência
o nosso inferno.

Ákvördunarstadur myrkird, 1985



É A MORTE A ÚNICA SAÍDA (Octavio Paz)

É a morte a única saída?
A meta, além dos mares e das montanhas.
A montanha é o eco da morte, a água é o reflexo
da morte.
E no entanto a morte é brisa, sopro no desfiladeiro,
onda na superfície da água.
É a morte a única saída?
A história tem o rosto da morte,
tudo o que se mostra aos nossos olhos,
tudo o que tocamos, pertence à morte.
No marco miliário está a morte
e na estrema das palavras.
O esvoaçar do mergulhão
no mais alto do páramo
revela-nos algo sobre a morte.
É a morte a única saída?
Nenhum caminho leva longe.
Mas quando nos detemos,
e não podemos continuar
a nossa vontade acompanha a morte
e as duas, incansáveis,
seguem caminho.

Ákvördunarstadur myrkird, 1985



COSTAS

                A vida é sonho (Calderón)

Despertar nesta ânsia:
ver os mares e oceanos,
rochas, algas, areia amarela.
E recordá-lo aqui, na praia branca
junto a outro oceano, outro mar.
A calma da tarde transborda
sobre as mesas, os pratos, as mãos, os olhos.
Há proximidade e distância no ar,
um pouco de impaciência, e sobretudo
saudades de ontem.

Gluggar hafsins, 1989



A REPETIÇÃO

A repetição está no vento cálido
que esta noite não arrasta consigo
senão lembranças, lembranças, lembranças.
O vento é repetição, o canto é repetição.
Recordarás
que esta noite era cálido o vento.
Após muitos anos e muitas repetições
serás mais velho que esta noite
e importar-te-á ainda menos
se a lua andaluza ali em cima
que interrogas
está cheia ou não
ou se é visível.
Agora está no minguante,
essa voz da repetição
por cima de nós
e no mais íntimo de nós
branca de orvalho
como uma cúpula longínqua –
onde não chega o vento cálido.

Gluggar hafsins, 1989


CÂNTICO

No final desta tarde penso de outra maneira
porque em mim entrou o cântico da madrepérola.
O anjo do álcool sussurrou-me ao ouvido
como roca que fiasse em negro alcantilado:
Vives como um meteorito entre as estrelas
sem que possas desfazer-te ou cair no vazio.

Desço para a praia entre as margaridas.
Vejo um raio do céu cair sobre o espelho do mar
o amarelo mundo da areia abre as sua corola de pedras
e com o ruído de remos de um ignoto barco
revela-se-me então a solução do cântico,
a promessa do anjo.


Versão minha - © Amadeu Baptista


Jóhann Hjálmarsson, nasceu em 1939. O seu primeiro livro, de 1956, causou sensação no panorama literário islandês. O seu estilo é muito variado. Os seus versos são umas vezes simples e directos e outras vezes cheios de imagens complexas. Publicou 14 livros de poemas.

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