POEMAS DE ELDRID LUNDEN
LIVRE
Nas traseiras da minha casa
suspendem-se gritos de crianças,
na parte da frente
há um abismo negro
sobre a janela, a noite
é um negrume,
em mim
vive uma solitária
mulher branca.
f.eks.juli, 1968
SIM, CLARO
Sim, claro,
a minha cor favorita é
o preto.
A minha camisola diária é preta
e está tão puída
que o soutien ilumina
os rostos com que me cruzo.
Dois vestidos tenho
com o decotado
enxovalho
a felicidade,
com o subido ao pescoço
injurio
a morte.
Hoje vi-me ao espelho
já não me posso vestir de preto,
a ponto de que está de me dominar
o rosto.
f.eks.juli, 1968
Caminho por uma lenta terra
azul com uma brisa suave sobre
as mãos, a chuva abre-se e
fecha-se silenciosamente.
Um sinal branco, o
silencioso
movimento de um agasalho
claro que tornou e
entrou lentamente na praia.
Um sinal branco, o dia
o olhar, não
talvez não seja
nada,
passou com tal
rapidez.
Eu sou a Ana, tenho vinte e oito
anos, sou visível
no portal de casa todas as manhãs, um aberto
movimento no ar.
Sou a Ana, tenho vinte e oito
anos de idade. Penso cada vez mais
em que sou visível no portal
todas as manhãs, após o que me sento no carro.
Sou a Ana, tenho
uma mancha na língua
lá está uma palavra,
sei-o.
Grande silêncio paira no bosque
no outono, o olhar dela
é uma gota transparente sobre a pele.
Sou a Ana, sinto uma brisa
cada vez mais pesada sobre
a cabeça, peso cada vez menos
a cada dia que passa.
Uma manhã quando saía
a cor do ar aproximou-se
um pouco, no instante em que me volto
e fecho a porta, ouço
talvez, os travões
de um automóvel.
Jorros molhados na superfície, a nossa
pequena humidade grisalha, no mais exterior
dos poros.
Há muitas brilhantes
contradições no mar, hoje
são as rectas paralelas.
Sou a Ana, vejo
erva amarelecida junto das ribeiras, e pássaros
brancos como a tormenta.
Desço a flutuar pela estrada e a luz,
alguma coisa leve veio com a luz como uma
explosão contra um juízo, em seguida desaperto
a minha roupa e a luz sai aos borbotões
do meu corpo.
Estou na estrada, com
o vento fragilmente sobre
mim, tão simples.
Mammy, blue, 1977
Regressar deslizando, baixar
deslizando até ao seio
materno, a viscosa
chuva na mente,
a sensação de pontada
na água.
Mães que te seguram firmemente
na grande corrente
agarram-te pela garganta, por detrás
com um pequeno pescoço branco.
As sugadoras coxas das mães, como
esponjas no interior dos sentimentos.
As brutais coxas das mães, brandas & firmes,
dobrados sobre salários, impostos e a boa vida.
As ancestrais correntes
das mães, a escuridão fechada
em volta de humores esponjosos e o ar
penetrante do baixo ventre.
Imagens que nunca subirão à superfície
completamente, água que
não se limpa
lavando-a.
Vejo uma mulher que atirou os seus braços
ao rio. E as suas pernas. Está sentada
sobre um jornal na margem do rio,
a gesticular com a boca.
Escreveu na totalidade toda a vergonha da
sua vida com umas pinças, quer
usar uma linguagem completamente desavergonhada,
enlear a catarata, cuspir
na pedra do rio, dizer que nunca
esteve aqui.
Está a trabalhar agora com o azul, a água
coloca-se friamente
junto à pupila, o ar
está a fechar-se serenamente à volta de
uma mão.
Mammy, blue, 1977
A LUTA ENTRE O SENTIMENTO E A RAZÃO
A luta entre o sentimento e a razão
existe? Sim, existe
entre a razão débil
e o sentimento débil.
Tens medo de que se manifeste
o irracional em ti? Que apareça?
O irracional é todo
o extremo, visível em todas as partes.
Gjenkjennelsen, 1982
Versão minha - © Amadeu Baptista
Eldrid Lunden, nasceu Naustdal, em 1940. É poeta e ensaísta. Formadora criativa, influenciou as mais novas gerações de criadores noruegueses.
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