PRAIA DA GRANJA
Pelo que quer que seja a exaltação habito aqui,
nesta casa de sete janelas,
com uma pequena porta e uma varanda verde.
A praia incendeia-me os olhos,
e chamo, chamo à mulher espiral do mundo.
Toco com um dedo o muro branco e acrescento
ao entendimento ervas amargas, animais solares
e obscuros, um antigo instrumento de trabalho,
o búzio, o barco, o arado,
um ramo de salgueiro, esta pedra incisiva,
uma maçã vermelha.
Guardo no coração uma voz que vai de lugar em lugar
a interrogar as sombras
e no poema murmura o poder das cintilações
sobre a cânfora,
a hortelã,
os figos,
o encantamento,
a cabeça da víbora.
A extensão desta casa é a dimensão desta praia
divina sobre as águas,
tal como é divina a mulher que me acompanha
e a quem chamo espiral do mundo
por ter criado um sortilégio assim,
uma casa grega,
branca,
nítida,
com sete janelas,
uma pequena porta e uma varanda verde
sobre o mar.
in A Sophia, Editorial Caminho,
Lisboa, 2007
©poema e foto abaixo Amadeu Baptista
Penso que a Sophia não teria gostado da ideia de lhe
colocarem os restos mortais no Panteão Nacional. Abomino a pompa e a
circunstância com que tudo foi levado a cabo e quem promoveu, realizou, assistiu e discursou. Sei que Sophia
teria gostado de uma última morada perto do mar - e que os livros fossem lidos,
todos os livros, especialmente os de poesia, os dela e os dos poetas
portugueses, que são constantemente omitidos por quem os deveria apoiar (não
digo ignorados, porque o poder , qualquer poder, não tem qualquer consistência para ignorar os poetas). Por mim, a Sophia
está ali na praia da Granja – onde também já vivi – a recuperar todos instantes
em que a beleza essencial não lhe estava próxima, embora a tivesse sempre no
coração. Por Ruy Belo, Jorge de Sena e Sophia, orgulho-me por ser um leitor
português de poesia, que também tenta acertar alguns poemas. Amadeu Baptista
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