sexta-feira, 4 de julho de 2014

Homenagem a Sophia







PRAIA DA GRANJA

Pelo que quer que seja a exaltação habito aqui,
nesta casa de sete janelas,
com uma pequena porta e uma varanda verde.

A praia incendeia-me os olhos,
e chamo, chamo à mulher espiral do mundo.

Toco com um dedo o muro branco e acrescento
ao entendimento ervas amargas, animais solares
e obscuros, um antigo instrumento de trabalho,
o búzio, o barco, o arado,
um ramo de salgueiro, esta pedra incisiva,
uma maçã vermelha.

Guardo no coração uma voz que vai de lugar em lugar
a interrogar as sombras
e no poema murmura o poder das cintilações
sobre a cânfora,
a hortelã,
os figos,
o encantamento,
a cabeça da víbora.

A extensão desta casa é a dimensão desta praia
divina sobre as águas,
tal como é divina a mulher que me acompanha
e a quem chamo espiral do mundo
por ter criado um sortilégio assim,
uma casa grega,
branca,
nítida,
com sete janelas,
uma pequena porta e uma varanda verde

sobre o mar.


in A Sophia, Editorial Caminho, Lisboa, 2007 


 ©poema e foto abaixo Amadeu Baptista








Penso que a Sophia não teria gostado da ideia de lhe colocarem os restos mortais no Panteão Nacional. Abomino a pompa e a circunstância com que tudo foi levado a cabo e quem promoveu,  realizou, assistiu e discursou. Sei que Sophia teria gostado de uma última morada perto do mar - e que os livros fossem lidos, todos os livros, especialmente os de poesia, os dela e os dos poetas portugueses, que são constantemente omitidos por quem os deveria apoiar (não digo ignorados, porque o poder , qualquer poder, não tem qualquer consistência  para ignorar os poetas). Por mim, a Sophia está ali na praia da Granja – onde também já vivi – a recuperar todos instantes em que a beleza essencial não lhe estava próxima, embora a tivesse sempre no coração. Por Ruy Belo, Jorge de Sena e Sophia, orgulho-me por ser um leitor português de poesia, que também tenta acertar alguns poemas. Amadeu Baptista

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