quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Claes Gill



                                                 POEMAS DE CLAES GILL


FORMOSAS VOZES COMOVIDAS! COLOCAI PALAVRAS

Formosas vozes comovidas! colocai palavras
no pálido brilho da alba
no este dorme um fiorde cinzento plúmbeo
dorme e encrespa-se de amarga doçura
na força das algas varadas –
colocai palavras – vozes comovidas –  colocai palavras
a isto e ao que mais
clareia no frio acorde de azul
do olho – coloca palavras, oh dúvida – que ocorre
quando o olho está fechado pela terra – terra.

Fragment av et magik liv, 1939




MARIA

Estás morta.
                    Homens vivos
separaram há já muito tempo a violência das suas mãos
e derramam agora o selvagem esplendor dos seus sonhos
em outros lugares.
                    Porque estás morta.

E esquecida por um copo qualquer de água.
Mas as tuas palavras moribundas sobre o destino da vida
respiram no fumo de uma catarata oculta num dia de outono:
sobre isto de morrer
                   a redemoinhos
de um jogo de sombras no fluir da água.

                        * * *

Novembro já está
aqui: estendidas em eriçada loucura
estão as árvores envoltas em estrias de chuva; e tu
estás só, a morte sabe onde. – Queimada
amarga intelectual, deixa uma paixão
como em febre água sobre a cinza
para assim, altivamente envolta em fumo,
zombar da dor do signo dos mortos,
rindo-se, como aquela enlouquecida cujo arco
avança cantante sobre cordas de chuva.

                        * * *

Ainda se sente: gritos roucos
esquivos na luz da madrugada. Fogo
aceso numa janela vazia e as lâmpadas
apagadas por frios passos na areia
pelo caminho ascende uma visão de sombras
em veloz fuga sobre o linho cinzento pálido da almofada
intui-se em vagos contornos a tua boca
semi-aberta a palavras que impronunciadas
deixam um vazio na vida. Spleen!
oh spleen na impotente queda das fontes.

Fragment av et magik liv, 1939



A VIDA É FUGA

Sempre fugindo? tu, frio
sensualista da janela. – Sim,
nada: crianças brincando, cujos gritos,

ténues gritos numa tarde de abril,
fazem em pedaços a tua alma; mulheres distantes
cuja palidez outonal mascarada

sob as árvores te sacode selvaticamente
com pânico impotente: – nada disto
detém a tua fuga até àquela escura

Marselha, o porto dos despropositados
o porto da Psique, onde ela, em vão
esgotada – ébria de éter – letárgica

como chamas de gás numa noite serena, já tarde,
brilha em correntes de vida e morte,
luminosa e pálida até à tua chegada.

* * *

Sim, eu chego.
uma tarde húmida, alta
escutas selvaticamente
os gritos dos barcos a vapor

e o véu da janela
de fina chuva
precipita-se em faixas
sobre o teu olhar.

Arrepias-te!
a canção do marinheiro
passa ao largo
fria e altiva

como um requiem
de uma vida
vivida por assim dizer
no índice

ruptura e fuga:
sempre fugindo
ouves agora
os segundos

bramar como cascalho
de um caminho vizinho
de um morto aparente

* * *
O sopro suave, frio e branco da cortina
a humidade entra pela janela aberta de par em par
o varão cede a golpezinhos ténues como gemidos
de uma apática – oh mar espumante – gélida

palidez sobre o teu rosto amena
respiração voam de imobilidade e os gritos solitários
das sombras – gritos no sonho dos amantes
da eterna nostalgia do corpo.

Fragment av et magik liv, 1939



O POETA CANTA A SUA INDESCRITÍVEL BELEZA

Tudo, vi tudo!
a alba rosácea do mito
em palavras escuras sobre
a mulher comovida por eros de Ilión
e a luz que empalidecia
nas crepusculares visões febris de Tristão
na distância no oeste,
e o fumo das sagas de terra que germina,
e os sonhos desamparados
de homens vivos – e de mortos –
tudo vi, porque tudo encontrou morada
nisto que é a tua indescritível beleza.

            E tudo foi compreendido, tudo!
            por quem cujo espírito inseguro
            se arrasta com cada explosão
            de um vento artificial sobre água dragada
                        sempre abrigado –

Agora se tudo vi, tudo foi compreendido
tudo – tudo pode ocorrer.

Fragment av et magik liv, 1939



MOZART

Morte em dezembro aplaudida
por pesadas batidas de cansados corações:
uma porta aberta que bate e bate
no branco vento da tormenta invernal.

Ainda mais branco! a eterna primavera
– tempestuosa luz – sobre uma tumba esquecida;
o formoso milagre: o véu primaveril
– intemporal como a vida das lágrimas no âmbar –

sussurra na erva sobre uma tumba.
Tu de tudo inspirador! Cálida terra…
luminosa folhagem das tílias… doçura silvestre
de violeta silvestre… pegadas de alba

do resplandecente brilho matutino
suavemente estendido sobre o frio véu do orvalho,
tudo cresce das milagrosas marcas
primaveris na terra geada de Dezembro.

Morte em Dezembro… o teu triunfo:
a última batida do coração cansado
transforma-se na perdida pulsação da morte
no meio da branca urgência da tempestade de inverno.

Ord i jœn, 1942



JUVENTUDE FUGITIVA

Juventude fugitiva!
    Uma corça
perseguida por uma matilha
    de cães arquejantes.

O grande Caçador
examina com fria
    calma as suas mãos.

Ord i jœn, 1942




GLORIA VICTIS!

Gloria Victis! – Não os esqueças nunca!
Não esqueças jamais os caídos
que nos gritam com morte na boca
que a vida, longa ou curta, no instante da morte
pesa-se na balança com o vertiginoso segundo da esperança
    na vitória.

Gloria Victus! – Não os esqueças nunca!
Não esqueças jamais os vivos,
os que com a morte na alma têm que desafiar a sua derrota,
viver, cantar para os seus filhos, esforçar-se dia a dia
sem esperar nada – nada excepto a última pulsação do seu coração.

Til Ungarn, 1957 (Publicação de solidariedade com a Hungria)



Versão minha - © Amadeu Baptista




Claes Gill (1910-1973). Nasceu em Odda, perto de Hardanger, no norte da Noruega. Fez o bacharelato e depois levou uma vida misteriosa e aventureira. Foi marinheiro, baleeiro e ascensorista nos Estados Unidos. Estreou-se como poeta em 1939. Após dois breves livros de poemas, que o colocaram como um dos pioneiros do modernismo norueguês, abandonou a poesia e dedicou-se ao teatro, como actor e encenador.






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