quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Snorri Hjartarson



POEMAS DE SNORRI HJARTARSON



BUSCA

Busco os brancos dias esquecidos, caminho
pela lava cinzenta, pela senda experimentada e estreita,
arbustos retorcidos expõem o seu musgo ardente
move-os a tempestade que violentamente
me envolve e acaricia com a sua asa forte e lisa

as margens do rio pétreo e nas nuvens revoltas
dispersa-se o aguaceiro; sim, deixa-me
sentir a tua fúria, tormenta, canta
a penitência e o arrependimento; na tua mão,
gigante do este, abre a fonte das tuas flechas
sobre mim, confia na minha vontade e na minha paciência:
e entrarei no meu auroral paraíso
banhado na prova, baptizado no sofrimento intenso.

Kvaedi, 1944



A minha nostalgia era jovem e ria em diáfanos poços
sereia da brisa, bailarina nas frondes da primavera
Agora vive comigo e em silêncio vela
onde florescia o bosque.

Á Gnitaheidi, 1952



VIAGEM

O caminho de ida
é também o de volta.

Rápida gira a roda do dia.
os palácios junto à fonte
e as lojas na margem do rio
ficaram muito para atrás.
anoitece e a foice
floresce sobre as pálidas estrelas.

Abre-se o alcantilado,
cinzento de orvalho e frio
aparece o deserto,
caem espigas de estrelas
incandescentes sobre a rocha
morta e a pesada areia.

Longa será a noite
erma, escura.

Mas detrás das montanhas,
da noite, do horizonte,
surge a torre da luz
em que dorme o tempo.

É a sua paz e o seu sonho
a meta da viagem

Á Gnitaheidi, 1952



PETROGLIFO

Gravo a tua imagem na rocha,
preclaro e alto sol,
esculpo nela uma árvore e um homem e uma mulher, ato
o teu poder, a tua roda volúvel,
à terra, à vida, à fecundidade, ao amor e à paz
para que o gelo retroceda
e a erva brote e crianças, vitelos e cabritos
se alegrem junto ao lago tranquilo,
para que chefes e caudilhos abram tréguas e paz
e se silenciem os clarins do rei

Sol meu, surge forte, vem suave e cálido, bilha alto
no teu diáfano e azul caminho.

Eu te esconjuro pelo meu canto, pelo segredo da montanha,
pelas raízes profundas da semente,
pela tua chama que bruxuleia e arde nos olhos
das crianças na escuridão:
Afugenta a crueldade e o medo, e concede-nos
uma boa primavera e um longo e pródigo verão.
E oferecer-te-emos o tronco
que primeiro desabroche.

Á Gnitaheidi, 1952



SENTI QUE SE APROXIMAVAM

Senti que se aproximavam
e esperei na penumbra
do caminho, poeirento caminho.

Ele conduz ao cavalo
com a mão agarrada
às rendas, cravada nas rendas.

Ela aconchega o menino
enquanto contempla pálida
a noite, a encapotada noite.

E diz: sois vós
agora igual a então
fugindo, pelo caminho fugindo.

Mas, onde haverá asilo?
onde vos ocultareis
com a vossa esperança, a esperança de todos?

Olhando-me em silêncio
perderam-se de vista
na noite, o negrume e a noite.

Lauf og stjörnur, 1966



ENTARDECER

Nos baixios da tarde
a corrente dourada
enche a rede apertada
das nuas árvores
de peixes luminosos

Logo chega o crepúsculo
com as suas velas escuras
a recolher a pesca.

Lauf og stjörnur, 1966



ESCULTURA

Sob o verde crepúsculo
dos ramos da árvore
ela oferece nua
uma maçã vermelha

Olhos que ardem e brilham
mãos que procuram

E ele toma-a, a sentir
a doçura cativante
das suas mãos vacilantes
em duas maçãs brancas

Lauf og stjörnur, 1966



O BOSQUE DE FERRO

Dorme o bosque de ferro
as máquinas esperam

esperam a manhã
que virá com a sua presa

Lauf og stjörnur, 1966



MÃE JOVEM

Primavera alegre
entre flores e arbustos
está uma mãe jovem
um menino em seu regaço

o seu rosto é como um sol
o seu sorriso como cálidos raios
Rafael em plena glória

Formosura e bondade
duas coisas e uma mesma
o que há de mais indefeso
num mundo perverso?

Mas são o melhor
e sobreviverão

Lauf og stjörnur, 1966



ORFEU

Quando Orfeu deixou de tocar e cantar
perante os deuses do inferno
eternos e inclementes
estes enterneceram-se
aquiescendo às suas súplicas
 de devolver Eurídice à terra
e apenas lhe exigiram
que não olhasse para trás
e empreenderam a marcha
por escuras e íngremes veredas
com os seus passos ágeis
ele com a sua lira ao ombro
e a sua amada atrás
através da noite
silenciosa e gelada
em busca da felicidade e da luz

oh tu a quem arranquei do horror da morte
com o meu amor as minhas canções a minha música
Eurídice
estás aí ainda

e ao quebrar com a sua deslembrança
o difícil mandato dos deuses
esfumou-se ela instantaneamente
e olhar e palavra
fundiram-se na noite
e um eco fantasmagórico devolveu o seu chamamento

sozinho iniciou a ascensão
para a luz e o dia
com o passo carregado
de um poeta divino
e de um homem mortal.

Lauf og stjörnur, 1966



TRÉGUA INVERNAL

Calada está na gândara a fonte
oculta por folhas amarelecidas

os pássaros fugitivos sobre o mar

O vagabundo arrasta
os seus passos desalentados às portas do povoado
e pede uma trégua invernal

com o violino guardado no seu alforge


Lauf og stjörnur, 1966



VOZES

Ainda vibram suaves vozes
em árvores e arbustos
entre o fragor das máquinas
nas ruas e no ar,
vozes jovens doces,
muito dento da minha mente
um solitário pássaro
responde envolto em luz

Hauströkkrid yfir mér, 1979



VELHA HISTÓRIA

Vagueio pela cidade
ao entardecer
e chego a um beco solitário

de súbito detenho-me
a casinha
as três janelas

e a árvore baixa
cobre agora com os seus ramos o telhado

os sons da harpa
que enchiam o crepúsculo
onde estão

Serenata à luz da lua

A morte e a donzela

com passo lento
regresso a minha casa


Hauströkkrid yfir mér, 1979



A CHAMA

Cheguei até aqui
para me esconder
aqui quero esperar

cuido de uma chama vermelha
entre as minhas mãos

espero que se torne
fogueira
e me faça cinzas

Hauströkkrid yfir mér, 1979



À DERIVA

Maçã vermelha
algas negras

horto
e praia deserta

o primeiro homem
e o último


Hauströkkrid yfir mér, 1979



DITOSO AQUELE QUE ESPERA

Uma pálida lua
espera nas montanhas
que chegue a noite

Uma jovem espera
que incendeia o seu amado
o seu território branco

Um poeta que espera
o sopro que desperte
os sons da sua corda

Ditoso aquele que espera
para dar e gozar

Hauströkkrid yfir mér, 1979


Versão minha - © Amadeu Baptista


Snorri Hjartarson (1906-1986). É um dos maiores poetas modernos islandeses, publicou apenas 4 livros, o primeiro em 1944. Em 1981 foi-lhe outorgado o prémio de Literatura do Conselho Nórdico, pelo seu último poemário.

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