Este é o tempo de pescar homens à mão.
Depois de Auschwitz e após setenta anos do fim da segunda
Guerra mundial, as criaturas morrem em balsas improváveis
No mar mediterrâneo ou acabam vitimadas
Nos camiões-frigoríficos das auto-estradas da Europa,
Famintas, esgotadas, enregeladas. Não sabemos
Quem somos neste tempo, o mais que somos
É refugiados da crueldade da guerra, e da sua miséria,
Da barbaridade que a desilusão do século XXI
Quis entregar-nos. Não há caminhos, montanhas,
Praias limpas. Na pólis da antiga Grécia não entravam
Mercadores e o paradoxo é que são agora os mercados que
decidem
A nossa dor, a dor dos nossos coetâneos,
A dor universal de estarmos indefesos.
Tempos houve que se ergueram muros
Para evitar que as pessoas saíssem dos países,
Agora as barreiras são erguidas para que
Não entrem as pessoas nos países, essas vítimas
Que mais não fazem do que fugir da atrocidade
Com que as confrontam sob a ameça de serem
Espoliadas de tudo quanto têm e quanto são,
Sendo verdade que, mais cedo ou mais tarde, acabarão
Assassinadas em qualquer esquina de um campo por lavrar,
Ou numa estação de comboios em que não podem entrar.
Nada nos pertence quando a treva invade tudo,
A matéria da luz perde-se a cada instante,
Éramos os que tínhamos esperança e agora nada somos,
A imbrincar silêncio sobre tudo, a tecer uma teia
De comércio de armas, de lavagem de dinheiro,
De custos cada vez mais elaborados no deve e haver
Das almas, cúmplices inconfessáveis dos dramas
Que não vemos, por mais que nos entrem pelos olhos dentro.
Ah, que chegue o dia da ira, que não haja salvação
Para os que nos condenaram. Não há caminhos, montanhas,
Praias limpas. A sordidez
ultrapassa qualquer realidade
E nem as lágrimas bastam, nem a cólera que não ousamos ter.
© do poema e da foto: Amadeu Baptista
El hombre solo cambia las vestiduras a lo largo de los tiempos.
ResponderEliminarNo hay lágrimas ni palabras para este horror.