8.
do pomar de limões da casa ao lado
desprende-se uma fragrância inebriante
que invade as ruas circundantes
e se nota ainda no largo do viriato.
pelo estreito postigo do vestíbulo
surpreendo-me a observar aqueles metros
de terra onde a luz refunde noutra luz
as formas arredondadas dos frutos
que se assemelham à lua em quarto-crescente.
além dos limoeiros, junto ao muro,
cresce uma madressilva,
de onde vem um delicado aroma que transmite
um vínculo a uma origem que não julgo
poder descrever com eficácia
aos meus filhos, por culpa minha, creio.
outros sinais lhes hão-de revelar
a frágil ascendência de que venho
e outras marcas haverá para entender
o inverosímil pretexto que me fez
indagar assim as árvores e a brisa que as percorre
hoje ou ontem, alguma vez, outrora,
sabendo que catástrofe contamina
com feroz galope a beleza
e só a memória pode alguma coisa
entre a cisão e o limite.
morria a tarde, vinha o crepúsculo e a noite,
e eu continuava a ver nesse quintal
a índole de um mistério inexplicável
que como um plano de incandescências breves
constituía o meu lugar no mundo,
a minha descoberta do que havia
de ter como meu, para além de o descobrir.
era verão, chegavam em cardumes
pequenas aves, a escuridão
abria as sombras de uma sombra
nesse espaço remoto onde me lembro
de silenciosamente perscrutar
uma coruja ou uma cobra de água,
uma estrela de papel ou um pirilampo, o arco-íris,
um homem e uma mulher a transpor o muro
para perante os meus olhos ampliarem o fascínio,
dando início a um vendaval sem tréguas de volúpia
que era como se se matassem
ou morressem nesse incêndio,
enquanto recrudescia o odor a limões sobre a cidade
e o universo de repente enlouquecesse.
in Os Selos da Lituânia, Lisboa, & Etc, 2008
© do poema e da foto: Amadeu Baptista
Sem comentários:
Enviar um comentário