PLATANUS ACERIFOLIA
Árvores de perseguição, é preciso correr para a janela para
agarrar
A intensidade destes verdes, destes ocres, destes vermelhos,
Para saber que a vida é a predestinação dos relâmpagos, por
mais
Janelas cegas que encontremos. Árvores de correr atrás, pela
copa,
Para que o mundo se anime e tu voltes de onde estás,
mistério
Que só estas árvores desocultam quando tudo é cinza em redor
E a desolação do horizonte a única certeza. Árvores de
abraçar,
De respirar, por já não termos qualquer atenuante, por ser
escura
A negligência desta hora, por tudo estar desabitado
Na extensão dos astros e o soluço do homem se ouvir
A léguas de distância, a séculos e séculos de ausência.
Árvores de fazer uma cama para dormir, para não dormir de
todo,
Árvores de velar todo o dia e toda a noite na humanidade que
delas
Se desprende, francas e humildes no seu mistério de árvores
Que não sabem o que seja a solidão ou a eternidade. Árvores
De tocar as raízes, de colocar na cabeça como uma coroa,
De fazer levantar os braços para cima para que seja
Um troféu que instiga a permanecer. Árvores de lamber
O tronco, a seiva, a infinita doçura que empreendem,
catedrais
De um silêncio sem fim que desdobra nas coisas sussurros
Incessantes, brilhos celestes, potestades que ajudam.
Árvores cobertas de ouro que a treva não destrói, a
revivificar
O chão de húmus e sortilégios, pequenos vendavais que se
amontam
Na berma dos caminhos. Árvores de gestos cautelosos,
A que é preciso ouvir como a uma criança,
Uma vereda que se atravessa, uma insónia contínua,
Um trovão que se talha, um animal que perscruta a selva
Para atravessar a cidade. Árvores a que prender fitas
Tal como tu atas o cabelo para que o possa desprender,
A que dançar de roda como se a exultação surgisse
Na soberania de ver crescer estas árvores de sombra,
Esta emocionada abundância de cintilações.
Árvores de guardar no coração e nos olhos, no corpo e no
espírito,
Para dar guarida ao que divino se ergue em cada um dos
plátanos
Que aqui proliferam como se mais nada houvesse,
Ou nada mais bastasse. Árvores em que escrever no tronco
O teu nome com uma navalha para que nenhuma árvore
Se abata, para que nada se ignore, para que cada um
Dos teus nomes corresponda a um outro nome
E nada se aniquile senão a solidão no universo destas
árvores.
© (inédito) Amadeu Baptista
arte de Agostinho Santos