segunda-feira, 20 de outubro de 2014

José do Carmo Francisco escreve sobre 'Um Pouco Acima da Miséria'



Prémio de Poesia «Cidade de Ourense» em 2013, este livro de 99 páginas e 27 poemas é uma longa reflexão de Amadeu Baptista (n.1953) sobre a Vida, a Morte e o Mundo – entendido por «Mundo» um verso da página 64: «religião, história, lógica, razão, honra ou justiça». Basta um verso da página 77 para perceber o alcance da mensagem. Erguendo a voz como se fosse o poeta Nazim Hikmet, Amadeu Baptista, que publica regularmente poesia desde 1982 («As passagens secretas»), afirma - «serei poeta continuadamente» - depois de no verso anterior ter definido Ataturk: «de cabo-de-guerra a paxá, Mustafá Kamal será Ataturk /herói dos Dardanelos, pai dos turcos, genocida dos arménios». De modo hábil, o autor inventa no poema sobre Nelson Mandela o que poderia ter sido a sua fala ao sair da prisão em Robben Island: «Não sei se na generosidade o acaso existe, / mas tenho para mim que foi bondosa a vida / que me coube viver, tão cheia de obstáculos / e dissabores, tão dentro dos covais que só a luz / poderia enfim surgir no termo da jornada em que inicio / uma outra caminhada sobre a qual agora me ergo, / por um planalto de cânticos / um sortilégio de irmãos / uma savana de rosas.» De poema em poema, há no livro uma revisitação aos vários tempos da Guerra e da Paz, do Mundo e dos Homens, há gente que mandou matar (Rasputine, Hitler, Trotsky, Mussolini, Lumumba) mas, nas sucessivas máscaras convocadas, o ponto alto está na máscara do próprio poeta. Começa numa adversativa: «A soletrar um verso, não obstante / os centros comerciais e os bancos ingleses / vem a máscara de novo à cena / dizer que a vergonha engendra mais vergonha». Mas conclui afirmando: «A máscara do amor: a secreta paisagem / que nos traz aqui em busca da nossa própria máscara. /Adeus penumbra e imensidão de lágrimas / cabe ao poeta a máscara da ternura». Escrito para António José Queiroz, dedicado à memória de Aristides de Sousa Mendes e abrindo com uma citação de Manuel António Pina, este é um livro de excepcional qualidade poética a partir de uma ideia insólita, inesperada e inovadora. (Editora: & etc, Capa: Alex Gozblau)

in: http://transportesentimental.blogs.sapo.pt/um-pouco-acima-da-miseria-de-amadeu-163662








1 comentário:

  1. fico muito feliz pelo reconhecimento que é feito dos teus poemas neste livro, muito mesmo. todas não serão demais, é a minha opinião.

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