PINUS PINASTER
Não esperávamos que o desapontamento nos ferisse
E, no entanto, essa sombra vem tolher-nos.
Tanta coisa, que nos bate no ouvido, tanta agulha
Que os pinheiros largam na senda sinuosa. Lentamente,
As águas vão subindo. Promete este domingo um desabrigo
De prédios demolidos e tu, como sempre, desamarras
O bálsamo para que não alastre a treva sobre a pele,
Pões os teus dedos sobre a minha boca.
Escrevo sobre coisas que já aconteceram,
Ou sobre coisas que nunca poderão acontecer?
Ao meio-dia cai a luz implacável e tudo é chumbo
Que se não pode cunhar. Entretanto, pergunto
Pelo que saberão os pinheiros do destino, que arroubos
Podem, que ventania acumulam em cada uma
Das suas pinhas circunscritas. O silêncio arrebata-os,
Só podem mesmo construir florestas,
Para que haja barcas, odores, antigos cofres
Onde se acumulem tesouros, sonhos, o que seja.
Talvez a escrita seja a resina que a alma exuma.
Por esta dúvida há poetas que se matam, a cidade
Pouco ou nada sabe da angústia de quem vai
Pela floresta e, por estar perdido, não pode recuar.
Domingo? As águas sobem. Tal como a memória
A cidade é um estendal de circunstâncias, tábuas
Que ardem, desordens que rebentam, enquanto tu
Continuas presente e ausente permaneces
Sobre a ferocidade das coisas, sem que saibas
Que avalanches nos sitiam, o que seja o chumbo,
Ou o cunho que não há, mas poderia ter havido
Se houvesse um outro mundo.
Não sei o que vale uma palavra, o que contém
O bálsamo para que sobre nós perdure a aliança?
Pousas os teus dedos sobre a minha boca.
Na proximidade do pinhal a brisa prenuncia
Os teus cabelos, a tua mão na minha, os teus lábios
Nos meus. A senda é sinuosa, doloroso
Este domingo que nunca mais acaba,
Mas talvez nos salve este pinhal
Com as suas sombras, este dédalo de ramos
Que entre nós circula e nos aproxima num ponto ainda
longínquo.
arte de Agostinho Santos