estão doze imagens iluminadas 
por fraca lamparina de azeite 
e há uma cómoda negra no canto do quarto. 
na primeira gaveta, uma mancha 
vermelha para guardar
e, no gavetão de baixo, uma cama
para dormir. o pequeno cobertor
cheira a lavado e em volta do meu sono
uma luz protege-me,
embora não consiga adormecer
e oiça passos ao longe, e o som surdo de vozes 
a bater nos meus pulsos 
como se tivesse que os cortar 
pelo mundo ser injusto 
e além de um oratório este lugar
ser exactamente o sítio onde durmo.
se pudesse ir à rua neste instante
procurava entre as mulheres a minha mãe
e pedia-lhe que me levasse para onde
fosse possível chorar e a memória fosse
uma passagem para a vigília surpreendente
que há nas coisas inesperadas. 
mãe, mãe, cometeste o pecado de não me veres
dormir, a minha alma hesita, sou apenas 
esta tábua que ao longe range 
e atravessa o quarto onde nenhum lençol me abriga
e os santos e os anjos pontificam
para que perdure o alarme e os olhos ceguem
nesta lâmpada incólume, esta ameaça
que continua a pairar sobre esta cama
e faz com que te chame em cada noite
e tu não estejas,  
e tu não venhas livrar-me 
da roda do martírio, enquanto 
reclamo a carícia perdida, 
a criança que fui, 
do primeiro vagido ao derradeiro.
in Os Selos da Lituânia, Lisboa, & Etc, 2008
© do poema e da foto: Amadeu Baptista
Tão belo, o poema!
ResponderEliminarBeijo.