quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Stefán Hördur Grímsson



                                        POEMAS DE STEFÁN HÖRDUR GRÍMSSON


O carro que trava na clareira
parece um negro insecto
descansa nas suas rodas aquecidas
enquanto as pessoas entram no bosque
enchendo o ar com risos de lata.

Atrás fica o caminho
larga serpente sinuosa.

Querida amiga, a das concavidades
e dos sinos de metal:
noutros tempos
aqui não havia caminho
aqui homens cansados e mulheres pálidas
caminhavam por trilhos tortuosos
sob o sol e a sombra
cobertos com escuros mantos
as mãos numa vara retorcida.

Nós, os que aqui viemos
para nos banharmos na espuma das cascatas
não estamos limpos
é nosso o velho sangue

eles são as nossas sombras
eles são as nossas sombras.

Svartálfadans, 1951



GUERRA

Os seus ferros são cinzentos
os seus ferros são afiados.

Sob a lua cheia
vieram ondas vermelhas
para morrer na praia.

Lágrimas nas flores
que murcharão.


Svartálfadans, 1951



DIA DE INVERNO

Olham o céu verde de Fevereiro
os olhos estalados dos lagos
da fria face da terra.

Das viagens dos ventos inquietos
à largura da abóbada celeste
ninguém teve notícia.

Impregnada de orvalho incolor
congela a quietude
sobre o peito dos brancos desertos.

Sob as conchas ocas do silêncio
soam com tom grave
as pulsações do coração do gelo.

Sobre as suas fracas pernas
atravessam os homens o glaciar
com os montes ao ombro.

Svartálfadans, 1951



VAN GOGH

O céu divino da cor tomba
sobre um prado cintilante
e arde no sangue do dia.

A sós, olho o sul,
vejo o meu amigo entre junco brilhantes
colhendo fogo e sol.

Giram numa vertigem louca
a magia, a alegria e a dor
de um criador de obras eternas.

Na gama cromática surge
uma estrela que brilha contente
sobre o dia e a noite.

Svartálfadans, 1951



CANÇÃO DE INVERNO

Tão duras podem ser as sombras da noite
que a pulsação da minha amada
se faz lenta e escura

tão duras podem ser as sombras da noite.

Svartálfadans, 1951



OLÁ, MINHA GATINHA SELVAGEM

Os teus cabelos
o sol dos desertos invernais

os teus olhos
esse azul que enche os arbusto em Agosto
os teus olhos.

Minha gatinha selvagem
fera cruel da profunda selva
olho escuro do medo nocturno
e riso do dia de junho

delícia do jardim da tarde
sabes quem te andou rondando esta noite?

Corre, perde-te
corre sobre as penas e perde-te

minha suave gatinha selvagem
que eu te procurarei.

Svartálfadans, 1951



A PESCARIA

Coberta: cadáver amarelecido sobre tábuas escuras.
Proa: que fende o lombo das ondas
Torno: que acompanha a nortada
Marinheiro: o que puxa um pedaço de corda
Patrão: o homem mais feio do barco, à janela.

No alto a espuma e nuvens desgarradas
e debaixo o abismo com os seus pálidos bosques.

Svartálfadans, 1951




O PRAZO


Em breve o homem deixará de se reflectir nos olhos do cão.
Já ninguém põe em dúvida a sua excelência
e o seu domínio cresce por toda a parte.

Já é o maior predador da terra.
Graças à sua rápida reprodução
destrói todo o vivo e o morto
na terra, nos céus e no mar.

Começou inclusive a mandar para as estrelas
as bactérias que cria
no seu fétido corpo.

Oh deuses, perdoai-me estes pedaços ruminados das revistas.
Que todos os lábios louvem a poesia e o amor
até aos confins do mundo.

Hlidin á slétunni, 1970



TREZA AMARELAS E UMA NEGRA

E críamos ser os bailarinos
acreditávamos participar no baile,
pisando o espelho com moldura de carvalho

O sábio negro pôs uma flor do cume dos Himalaias na
botoeira:

A juventude é como uma corola cheia de água
a velhice honrada recebe todo o peso dos aplausos

Tu, azul Atlântico,
gota amarga de suor da terra epiléptica
Orvalho quente da face
que ascende até à abóbada do salão de baile
e se funde com o pano de seda no fundo do bolso
das calças

Esta dança de sangue no cone de luz

Não é estranho que estejamos cansados
nós, cristalização do esgotamento
que se abateu sobre a terra febril
esse louco dançarino com a sua roubada luz no regaço

Nós, sal da terra

Suor de um pião

 Hlidin á slétunni, 1970



A TENDA BRANCA

Durante décadas tinha percorrido o mundo e agora tinha voltado, sem passado,
desembarcando no sul, da passagem para o norte, por volta do solstício de verão. Fizemos a viagem juntos através do páramo e decidimos continuar de noite. Pelas doze um sol vermelho batia-nos no rosto, fizemos uma paragem e disse-me que tinha deixado
a sua vida no estrangeiro e que ia ao norte em busca de certa sombra chamada Dúvida. Depois de me falar dessa sua sombra seguiu para o nordeste para cruzar os montes e eu pernoitei aqui, onde já não posso ver os glaciares por causa da sua sombra. Vós, que voais esta noite sobre o deserto, podereis ver sobre o páramo a sua tenda branca.

Hlidin á slétunni, 1970




HORA DE VOO

É o verão
que pinta de azul as empenas
do amanhecer.
Ninguém o pode negar.

A trombeta muda de som
quando é outono na montanha.
Canta, pássaro.

Ele coroou o vento de flores
que exalaram o seu aroma
desde que ela as viu.

Canta, pássaro
canta e afugenta os caminhos da noite.

Hlidin á slétunni, 1970



PAISAGEM

Seixos e ar.
Não há marcos que assinalem os caminhos
nas proximidades.

Neste lugar deserto
no silêncio sem caminhos
reanima-te a luaa de verão.

Caçadora e presa dos pensamentos
a névoa nocturna foge da tua face.
Brilham os cumes. Amanhece.
E tu desapareces na alba
por detrás da manhã.

Hlidin á slétunni, 1970



GLACIARES

No verão os glaciares saúdam o céu límpido
resplandecem alegres nos cálidos dias de sol
e enganam-nos por completo.

No inverno dizem a verdade
já não têm que fingir
e adaptam-se ao clima

Farvegir, 1981



ORAÇÃO

Chuva para o bosque jovem
sol para o bosque jovem
sol e chuva para o bosque jovem.

Farvegir, 1981



AMANHECER

É a hora
em que os sonhos se envergonham
perante a nova experiência
e o medo faz empalidecer as áreas de caça.

Manhã de segredos. Manhã de perguntas.
Recolho água do manancial da montanha
e refresco os meus olhos.
Manhã que chega com o vento primaveril.

Lá longe.
Uma rapariga sobre um cavalo negro
cumprimenta do caminho.


Farvegir, 1981



ORAÇÃO NOCTURNA

Brisa, caminha suave
sobre o teu páramo
desliza sobre o oceano
e não agites as lagoas.

Um espírito insone
procura-te um refúgio entre os juncos.
Olha, o oceano dorme esta noite
e brilham as estrelas sobre o seu suave ventre.

Tengsl, 1987



DOMINGO

Sobre os espelhos profundos
passa a rota
com a vela do pensamento
através das chamas
ao encontro dela
com um brilhante escudo contra todos os ventos

Não te apagues, chama
nos vos arrefeçais, incêndios.

Farvegir, 1981



TRÉGUA NOCTURNA

Quietude terrena. Apieda-te de mim por um instante.
Desperta no me sangue uma veia secreta
e faz que uma gota caia como mísera oferenda
sobre a suave terra.

Quietude do bosque concede-me uma paz inquieta
quando acordar,
enche o meu peito como sempre de ânsia viajante:

Da minha nobre nostalgia.

Yfir heidan morgunr, 1989



ANAIS

Então cantavam os bosques;
cantavam
isso dizem
os documentos.

É certo
que cantavam
mas era com o sol
e no final da época das chuvas.

E é que o bosque
cantava
mas os documentos
rangem.

Rangem
como flores murchas
ao secarem-se as fontes.

Yfir heidan morgunr, 1989



NA RIBEIRA

Somos homens em marcha
O peixe assustado oculta-se sob a margem.
Fujamos do seu medo
Fujamos!
A nossa morte está assustada.

Yfir heidan morgunr, 1989


Versão minha - © Amadeu Baptista
 
 

 
 
Stefán Hördur Grímsson, n. em 1920. Pertenceu ao grupo dos chamados poetas atómicos. O seu primeiro livro data de 1946, a que seguiram mais cinco. Original e complicado nas suas imagens, mas certeiro nas suas palavras. Os seus versos criticam a contaminação da natureza e o abuso da técnica, sem esquecer a vertente amorosa: Traduziu para o islandês poesia de inúmeros idiomas.

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