Está em distribuição o nº. 11 da revista Piolho. 
A seguir à imagem deixo aqui o poema com que colaborei nesta edição.
PORTUGAL, 2013
O velho está a apanhar sol na barriga
e tem uma mão perdida na coxa direita.
De vez em quando, suspira, como se pudesse
dar conta de si nesse imprevisto momento, 
ou pudéssemos nós dar conta dele, 
que o observamos sem que seja possível 
discernir o que estamos a ver.
Olho-lhe os pés: calça umas alpercatas
encardidas, a que faltam os cordões, 
e tem uma meia diferente em cada pé: 
uma é berrante, vermelha aos quadrados
vermelhos, e outra cinzenta, com uns feitios 
pretos que lembram grandes sinos. Baba-se,
e sempre que se baba sorri, não se sabe se alheado,
se cúmplice de algum deus que ali o tenha posto,
calado como um utensílio a quem ninguém dá
uso há muito tempo. A baba está a escorrer-lhe
pelo queixo e invade-lhe a camisa numa pasta 
esbranquiçada que, mais do que o sujar, 
o patenteia a quem passa, embora os que passam
vão todos ocupados com a pressa 
de nada quererem ver de quanto existe
nesta terra de erro e aversão contínua. 
Agora movimentou os lábios,
como se dissesse em surdina qualquer coisa,
não sei se uma prece, se um ralho, 
por algum mosquito que o tenha picado,
ou uma sombra que lhe tocasse a cabeça.
A tarde há-de passar e o chão gelar
e o velho irá permanecer ali,
sem mais remédio do que eu o observar
como alguém que de nada já se fia
por estar tudo calcinado à nossa volta
e não haver caminho para nenhum lugar.
A escuridão caiu e o velho nela 
é alguém de cócoras que de uma cadeira
intensifica o nosso olhar a fim de que se possa 
saber que víbora há-de, mais dia menos dia,
atingir-nos no esforço incomparável de durarmos.
Oh, está a babar-se, de novo, o velho absorto.
A aflição é já não haver aflição, mas tão-só
um energúmeno que não saberá de mais vitórias,
já nem vivo, nem morto, na cadeira de rodas.
in: Piolho, nº. 11, Porto, Agosto de 2013

 
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